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quinta-feira, 12 de junho de 2008

ARTIGO: Jurisdição Constitucional no Brasil: o problema da omissão - Gilmar Mendes

I. Introdução.
II. O controle de constitucionalidade na Constituição do Brasil de 1988.
III. Controle deConstitucionalidade de Omissão do Legislador.
III. (i). Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão.
III. (ii). Mandado de injunção.
IV. Conclusões


I. Introdução

A Jurisdição Constitucional possui raízes nas culturas jurídicas formadas
nos contextos anglo-americano e europeu-continental. Não parece incorreto dizer que é
quase impossível fazer um estudo sobre a temática do controle de constitucionalidade
sem fazer referência aos clássicos modelos difuso, de origem norte-americana, e
concentrado, de origem européia (continental).
Mais do que modelos estanques fundados nos clássicos sistemas norteamericano
ou europeu-continental, a jurisdição constitucional nos países iberoamericanos
é caracterizada por modelos híbridos, construídos de forma criativa de
· Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil; Presidente do Conselho Nacional de Justiça do Brasil; Professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília-UnB; Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (1988), com a dissertação Controle de Constitucionalidade: Aspectos Políticos e Jurídicos; Mestre em Direito pela Universidade de Münster, República Federal da Alemanha - RFA (1989), com a dissertação DieZulässigkeitsvoraussetzungen der abstrakten Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht (Pressupostos de admissibilidade do Controle Abstrato de Normas perante a Corte Constitucional Alemã); Doutor em Direito pela Universidade de Münster, República Federal da Alemanha - RFA (1990), com a tese Die abstrakte Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht und vor dem brasilianischen
Supremo Tribunal Federal, publicada na série Schriften zum Öffentlichen Recht, da Editora Duncker & Humblot, Berlim, 1991 (a tradução para o português foi publicada sob o título Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, 395 p.).
Membro Fundador do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Membro do Conselho Assessor do “Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional” – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales - Madri, Espanha. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Membro da Academia Internacional de Direito e Economia – AIDE.
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acordo com a heterogeneidade cultural que caracteriza a região. Como bem analisou o
Professor Francisco Fernández Segado, um dos maiores estudiosos sobre a matéria, os
países latino-americanos constituem um verdadeiro “laboratório constitucional” no
tocante às técnicas de controle de constitucionalidade1.
O Brasil não se distancia dessa realidade. Assim como os países iberoamericanos
em geral, a jurisdição constitucional brasileira foi construída num ambiente
constitucional democrático e republicano, apesar das interrupções causadas pelos
regimes autoritários. Se as influências do modelo difuso de origem norte-americana
foram decisivas para a adoção inicial de um sistema de fiscalização judicial da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral, o desenvolvimento das
instituições democráticas acabou resultando num peculiar sistema de jurisdição
constitucional, cujo desenho e organização reúnem, de forma híbrida, características
marcantes de ambos os clássicos modelos de controle de constitucionalidade.
A Jurisdição Constitucional no Brasil pode ser hoje caracterizada pela
originalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da
constitucionalidade dos atos do poder público e à proteção dos direitos fundamentais,
como o mandado de segurança – uma criação genuína do sistema constitucional
brasileiro – o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil
pública e a ação popular.
Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é
ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do
controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como a ação
direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a
ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
Os tópicos seguintes são destinados a uma breve explanação sobre o
controle de constitucionalidade no Brasil, após a Constituição de 1988.
1 Cfr.: FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. Del control político al control jurisdiccional. Evolución y
aportes a la Justicia Constitucional en América Latina. Bologna: Center for Constitutional Studies and
Democratic Development, Libreria Bonomo; 2005, p. 39.

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II. O controle de constitucionalidade na Constituição do Brasil de
1988
A Constituição de 1988 foi promulgada após intensa discussão em uma
Assembléia constituinte reunida entre 1º de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988. O
documento constitucional conta com 250 artigos na parte permanente e 94 artigos nas
disposições transitórias. Cuida-se de um texto extremamente detalhado, que, por isso,
tem dado ensejo a sucessivas emendas constitucionais. Além das 6 emendas aprovadas
no processo especial de revisão realizado nos anos de 1993 e 1994, a Constituição
recebeu, até o ano de 2008, 56 emendas.
A nova Carta confiou ao Judiciário papel até então não outorgado por
nenhuma outra Constituição. Conferiu-se autonomia institucional, desconhecida na
história de nosso modelo constitucional e que se revela, igualmente, singular ou digna
de destaque também no plano do direito comparado. Buscou-se assegurar a autonomia
administrativa e financeira do Poder Judiciário. Assegurou-se também a autonomia
funcional dos magistrados2.
O princípio da proteção judicial efetiva passou a configurar a pedra
angular do sistema de proteção de direitos.
A Constituição de 1988 preservou o Supremo Tribunal Federal como
órgão de cúpula do Poder Judiciário, composto por 11 juízes (Ministros), escolhidos
dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de
idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A nomeação dar-se-á pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado
Federal (CF, art. 101).
A discussão na Constituinte sobre a instituição de uma Corte
2 Conferir, a propósito dos dilemas do Poder Judiciário, ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário: entre a
Justiça e a Política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio. Sistema Político Brasileiro: uma
introdução. Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. São Paulo: Fundação Unesp Editora,
2004.

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Constitucional, que deveria ocupar-se, fundamentalmente, do controle de
constitucionalidade3, acabou por permitir que o Supremo Tribunal Federal não só
mantivesse a sua competência tradicional, com algumas restrições, como adquirisse
novas atribuições. A nova Constituição ampliou significativamente a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne ao controle de
constitucionalidade de leis e atos normativos e ao controle da omissão inconstitucional.
Não há dúvida de que, nessa linha, o STF exerce, inadequadamente, o
papel de Corte Constitucional.
De inegável peso político e significado jurídico é a competência do
Supremo Tribunal para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI),
a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), a argüição de descumprimento de
preceito fundamental (ADPF), a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(ADIo) e o mandado de injunção (MI). Tais processos – juntamente com o recurso
extraordinário – formam hoje o núcleo do sistema de controle de constitucionalidade e
legitimidade de leis ou atos normativos, bem como das omissões inconstitucionais.
No controle concreto, a Lei n. 10.259/2001 admitiu o encaminhamento
de recurso extraordinário das decisões das turmas recursais dos juizados especiais ao
Supremo Tribunal, retendo-se os recursos idênticos na origem. A mesma lei reconheceu
a figura do amicus curiae no âmbito desse processo, afastando-se, dessa forma, de uma
perspectiva estritamente subjetiva do recurso extraordinário.
A fórmula adotada para o recurso extraordinário no âmbito dos juizados
especiais federais foi estendida para os recursos extraordinários regulares, nos quais se
discutam matérias repetitivas ou os chamados “casos de massa”. Esse novo modelo
legal traduz um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário
entre nós. Aludido instrumento passa a assumir, de forma decisiva, a função de defesa
da ordem constitucional objetiva.
3 CORRÊA, Oscar Dias. O 160º aniversário do STF e o novo texto constitucional. In: Arquivos do
Ministério da Justiça n. 173, 1988, p. 67 (70).

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Ademais, consagrou-se, com a reforma do judiciário introduzido pela
Emenda Constitucional n. 45/2004, o instituto da repercussão geral, segundo o qual
“no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das
questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal
examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-la pela manifestação de dois
terços de seus membros”. O recurso extraordinário passa, assim, por uma mudança
significativa, havendo de sofrer o crivo da admissibilidade referente à repercussão geral.
A adoção desse novo instituto deverá maximizar a feição objetiva do recurso
extraordinário.
Também introduzida pela Emenda n. 45/2004, a súmula vinculante
estabeleceu a vinculação dos órgãos judiciais e dos órgãos da Administração Pública,
abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do Supremo
por meio de apresentação de uma reclamação por descumprimento de decisão judicial.
Quanto ao controle abstrato, especialmente no âmbito da ação direta de
inconstitucionalidade – a ação mais relevante do sistema de controle de
constitucionalidade de normas brasileiro –, constitui importante inovação a autorização
para que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos
postulantes, admita a manifestação de outros órgãos ou entidades. Positivou-se, assim, a
figura do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a
possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas
implicações ou repercussões. Trata-se de providência que confere caráter pluralista ao
processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade.
Ademais, a regulamentação da ADPF introduziu significativas mudanças
no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Questões, até então excluídas
de apreciação no âmbito do controle abstrato de normas, podem ser objeto de exame no
âmbito do novo procedimento. A estrutura de legitimação desse instituto, a exigência de
configuração de controvérsia judicial ou jurídica para a instauração do processo, a
possibilidade de sua utilização em relação ao direito municipal e ao direito préconstitucional
e o efeito vinculante das suas decisões completaram o sistema de controle
de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no Supremo Tribunal
Federal.

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Ainda, o STF passou a considerar admissível a reclamação4, em sede de
controle abstrato de normas, quando o órgão responsável pela edição da lei declarada
inconstitucional persistir na prática de atos concretos que pressuponham a validade da
norma declarada inconstitucional. Essa jurisprudência foi positivada com o advento da
Emenda Constitucional n. 45/2004, na qual ficou estabelecido que “as decisões
definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal”.
A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema
difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as
controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo
Tribunal Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla
legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da
possibilidade de suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado,
mediante pedido de cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendência.
A amplitude do direito de propositura fez com que até mesmo pleitos
tipicamente individuais fossem submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação
direta de inconstitucionalidade.
Assim, o processo abstrato de normas cumpre entre nós dupla função: é a
um só tempo instrumento de defesa da ordem objetiva e de defesa de posições
subjetivas.
Por outro lado, particular atenção dedicou o constituinte à chamada
“omissão do legislador”.
Ao lado do mandado de injunção, previsto no art. 5º, LXXI, c/c art. 102,
4 Cf. julgamentos na Rcl. 399, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgada em 07.10.93, DJ de 24.03.95 e Rcl.
556, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgada em 11.11.1996, DJ de 03.10.1997.

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I, q, destinado à defesa de direitos subjetivos afetados pela omissão legislativa ou
administrativa, introduziu a Constituição, no art. 103, § 2º, o processo de controle
abstrato da omissão.
III. Controle de Constitucionalidade da Omissão do Legislador
(i) A Ação Direta de Inconsticucionalidade por Omissão (ADIo)
Sob a égide da Constituição de 1988, a grande mudança verificou-se no
âmbito do controle abstrato de normas, com a criação da ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal (CF, art. 102, I, “a” c/c
art. 103).
Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade
para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do
Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia
Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no
Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito
nacional.
Ao lado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) criou-se a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIo), que, tal como a ADI, não tem
outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela
incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais
ou de relações subjetivadas, mas visa, precipuamente, à defesa da ordem jurídica. O
controle abstrato da omissão poderá ser instaurado pelos mesmos legitimados para a
proposição da ADI .
Nos termos do art. 103, § 2º, da Constituição Federal, a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão visa a tornar efetiva norma constitucional, devendo
ser dada ciência ao Poder competente para adoção das providências necessárias. Em se
tratando de órgão administrativo, será determinado que empreenda as medidas

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reclamadas no prazo de trinta dias.
Objeto desse controle abstrato da inconstitucionalidade é a omissão dos
órgãos competentes para a concretização da norma constitucional. A própria formulação
empregada pelo constituinte não deixa dúvida de que se teve em vista aqui não só a
atividade legislativa, mas também a atividade tipicamente administrativa que pudesse,
de alguma maneira, afetar a efetividade de norma constitucional.
Não parece subsistir dúvida de que a concretização da Constituição há de
ser efetivada, fundamentalmente, mediante a promulgação de lei. Os princípios da
democracia e do Estado de Direito (art. 1º) têm na lei instrumento essencial. Não se trata
aqui apenas de editar normas reguladoras das mais diversas relações, mas de assegurar a
sua legitimidade mediante a aprovação por órgãos democraticamente eleitos.
A concretização da ordem fundamental estabelecida na Constituição de
1988 carece, nas linhas essenciais, de lei. Compete às instâncias políticas e,
precipuamente, ao legislador, a tarefa de construção do Estado constitucional. Como a
Constituição não basta em si mesma, têm os órgãos legislativos o poder e o dever de
emprestar conformação à realidade social. A omissão legislativa constitui, portanto,
objeto fundamental da ação direta de inconstitucionalidade em apreço.
Esta pode ter como objeto todo o ato complexo que forma o processo
legislativo, nas suas diferentes fases. Destinatário principal da ordem a ser emanada
pelo órgão judiciário é o Poder Legislativo. O sistema de iniciativa reservada,
estabelecido na Constituição Federal, faz com que a omissão de outros órgãos, que têm
competência para desencadear o processo legislativo, seja também objeto dessa ação
direta de inconstitucionalidade.
Nos casos de iniciativa reservada, não há dúvida de que a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão buscará, em primeira linha, desencadear o processo
legislativo.
Questão que ainda está a merecer melhor exame diz respeito à inertia deliberandi
(discussão e votação) no âmbito das Casas Legislativas. Enquanto a sanção e

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o veto estão disciplinados, de forma relativamente precisa, no texto constitucional,
inclusive no que concerne a prazos (art. 66), a deliberação não mereceu do constituinte, no
tocante a esse aspecto, uma disciplina mais minuciosa. Ressalvada a hipótese de
utilização do procedimento abreviado previsto no art. 64, §§ 1º e 2º, da Constituição,
não se estabeleceram prazos para a apreciação dos projetos de lei. Observe-se que,
mesmo nos casos desse procedimento abreviado, não há garantia quanto à aprovação
dentro de determinado prazo, uma vez que o modelo de processo legislativo
estabelecido pela Constituição não contempla a aprovação por decurso de prazo.
O Supremo Tribunal Federal tem considerado que, desencadeado o
processo legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador5.
Essa orientação há de ser adotada com temperamento.
Essas peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam,
inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam, todavia, uma conduta
manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode
pôr em risco a própria ordem constitucional.
Não temos dúvida, portanto, em admitir que também a inertia
deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão. Assim, pode o Supremo Tribunal Federal reconhecer
a mora do legislador em deliberar sobre questão, declarando, assim, a
inconstitucionalidade da omissão.
Nesse sentido, em 9 de maio de 2007 o STF, por unanimidade, julgou
procedente a ADI 3.682, Rel. Gilmar Mendes, ajuizada pela Assembléia Legislativa do
Estado de Mato Grosso contra o Congresso Nacional, em razão da mora na elaboração
da lei complementar federal a que se refere o art 18, § 4º, da CF, na redação da EC
15/96 (“A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-seão
por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, ....”).
Não obstante os vários projetos de lei complementar apresentados e discutidos no
5 Cf. nesse sentido: ADI 2.495, Rel. Ilmar Galvão, julgada em 2-5-2002, DJ de 2-8-2002.

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âmbito das duas Casas Legislativas, entendeu-se que a inertia deliberandi (discussão e
votação) também poderia configurar omissão passível de vir a ser reputada
inconstitucional, no caso de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo
razoável sobre o projeto de lei em tramitação.
No caso, o lapso temporal de mais de 10 anos desde a data da publicação
da EC 15/96 evidenciou a inatividade do legislador. Ademais, a omissão legislativa
produziu incontestáveis efeitos durante o longo tempo transcorrido, no qual vários
Estados-membros legislaram sobre o tema e diversos municípios foram efetivamente
criados com base em requisitos definidos em antigas legislações estaduais, alguns,
inclusive, declarados inconstitucionais pelo STF.6
A omissão inconstitucional pressupõe a inobservância de um dever
constitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explícitos da Lei Magna7 como
de decisões fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação8.
Tem-se omissão absoluta quando o legislador não empreende a
providência legislativa reclamada. Constatam-se semelhanças com a omissão total ou
absoluta nos casos em que existe um ato normativo, que, todavia, atende parcialmente a
vontade constitucional9. Trata-se de omissão parcial.
A imprecisa distinção entre ofensa constitucional por ação ou por omissão10
leva a uma relativização do significado processual-constitucional desses
instrumentos especiais destinados à defesa da ordem constitucional ou de direitos
6 Informativo STF n. 466, de 16.5.2007.
7 BVerfGE, 6, 257 (264); Vgl auch Christian Pestalozza, “Noch verfassungsmässige” und “bloss
verfassungswidrige” Rechtslagen, in Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, Tübingen, 1976, v. 1, p.
526; cf., Friedrich Jülicher, Die Verfassungsbeschwerde gegen Urteile bei gesetzgeberischen Unterlassen,Berlin, 1972, p. 13.
8 BVerfGE, 56, 54 (70 e s.); 55, 37 (53); Peter Hein, Die Unvereinbarerklärung verfassungswidrige
Gesetze durch das Bundesverfassungsgericht, Baden-Baden, 1988, p. 57; BVerfGG,
Vorprüfungsausschuss NJW, 1983, 2931 (Waldsterben).
9 Peter Lerche, Das Bundesverfassungsgericht und die Verfassungsdirektiven, Zu den “nicht erfüllten
Gesetzgebungsaufträgen”, AöR, 90 (1965), p. 341 (352); Friedrich Jülicher, Die Verfassungsbeschwerde
gegen Urteile bei gesetzgeberischen Unterlassen, cit., p. 33; Stern, Bonner Kommentar, 2. tir., art. 93,
RdNr., 285; Hans Lechner, Zur Zulässigkeit der Verfassungsbeschwerde gegen Unterlassungen des
Gesetzgebers, NJW, 1955, p. 181 e s.; Schmidt-Bleibtreu, in Maunz et al., BVerfGG, § 90, RdNr., 121.
10 Hans-Uwe Erichsen, Staatsrecht und Verfassungsgerichtsbarkeit, cit., p. 129-170; Christian Pestalozza,
“Noch verfassungsmässige” und “bloss verfassungswidrige” Rechtslagen, in Bundesverfassungsgericht
und Grundgesetz, cit., p. 519 (526, 530).

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individuais contra a omissão legislativa. De uma perspectiva processual, a principal
problemática assenta-se, portanto, menos na necessidade de instituição de determinados
processos destinados a controlar essa forma de ofensa constitucional do que na
superação do estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão legislativa.
Embora a omissão do legislador não possa ser, enquanto tal, objeto do
controle abstrato de normas11, não se deve excluir a possibilidade de que, como já
mencionado12, essa omissão venha a ser examinada no controle de normas.
Dado que no caso de uma omissão parcial existe uma conduta positiva,
não há como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princípio, da aferição da
legitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, ainda
que abstrato13. Tem-se, pois, aqui, uma relativa, mas inequívoca fungibilidade entre a
ação direta de inconstitucionalidade (da lei ou ato normativo) e o processo de controle
abstrato da omissão, uma vez que os dois processos — o de controle de normas e o de
controle da omissão — acabam por ter — formal e substancialmente — o mesmo objeto,
isto é, a inconstitucionalidade da norma em razão de sua incompletude14.
É certo que a declaração de nulidade não configura técnica adequada para
a eliminação da situação inconstitucional nesses casos de omissão inconstitucional. Uma
cassação aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como já admitido pela Corte
Constitucional alemã em algumas decisões.
Evidentemente, a cassação da norma inconstitucional (declaração de nulidade)
não se mostra apta, as mais das vezes, para solver os problemas decorrentes da
omissão parcial, mormente da chamada exclusão de benefício incompatível com o
princípio da igualdade. É que ela haveria de suprimir o benefício concedido, em
princípio licitamente, a certos setores, sem permitir a extensão da vantagem aos
segmentos discriminados.
11 Ernst Friesenhahn, Die Verfassungsgerichtsbarkeit in der Bundesrepublik Deutschland, Köln-Berlin-
Bonn-München, 1963, p. 65.
12 Cf., supra, n. I, item 3.3.4.
13 Christoph Gusy, Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht, cit., p. 152.
14 Sobre o tema, vide voto do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do pedido de concessão de
medida cautelar na ADI 526, contra a Medida Provisória n. 296, de 1991.

12

A técnica da declaração de nulidade, concebida para eliminar a
inconstitucionalidade causada pela intervenção indevida no âmbito de proteção dos
direitos individuais, mostra-se insuficiente como meio de superação da
inconstitucionalidade decorrente da omissão legislativa.
Portanto, a questão fundamental reside menos na escolha de um processo
especial do que na adoção de uma técnica de decisão apropriada para superar as
situações inconstitucionais propiciadas pela chamada omissão legislativa.
É fácil ver, assim, que a introdução de um sistema peculiar para o
controle da omissão e o entendimento de que, em caso de constatação de uma ofensa
constitucional em virtude da omissão do legislador, independentemente do processo em
que for verificada, a falha deve ser superada mediante ação do órgão legiferante,
colocaram os pressupostos para o desenvolvimento de uma declaração de
inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, também no Direito brasileiro.
(ii) MANDADO DE INJUNÇÃO
Tal como observado, a Constituição de 1988 abriu a possibilidade para o
desenvolvimento sistemático da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia
da nulidade, na medida em que atribuiu particular significado ao controle de
constitucionalidade da chamada omissão do legislador.
O art. 5º, LXXI, da Constituição previu, expressamente, a concessão do
mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania. Ao lado desse instrumento destinado,
fundamentalmente, à defesa de direitos individuais contra a omissão do ente legiferante,
introduziu o constituinte, no art. 103, § 2º, um sistema de controle abstrato da omissão.
Assim, reconhecida a procedência da ação, deve o órgão legislativo
competente ser informado da decisão, para as providências cabíveis. Se se tratar de
órgão administrativo, está ele obrigado a colmatar a lacuna dentro do prazo de trinta

13

dias.
A adoção do mandado de injunção e do processo de controle abstrato da
omissão tem dado ensejo a intensas controvérsias na doutrina. O conteúdo, o significado
e a amplitude das decisões proferidas nesses processos vêm sendo analisados de forma
diferenciada pela doutrina e jurisprudência.
Alguns nomes da literatura jurídica sustentam que, como as regras
constantes do preceito constitucional que instituiu o mandado de injunção não se
afiguravam suficientes para possibilitar a sua aplicação, ficava sua utilização
condicionada à promulgação das regras processuais regulamentadoras15. Outros
doutrinadores afirmam que, sendo o mandado de injunção instrumento dirigido contra
omissão impeditiva do exercício de direitos constitucionalmente assegurados,
competiria ao juiz proferir decisão que contivesse regra concreta destinada a possibilitar
o exercício do direito subjetivo em questão16. Uma variante dessa corrente acentua que a
decisão judicial há de conter uma regra geral, aplicável não apenas à questão submetida
ao Tribunal, mas também aos demais casos semelhantes17.
Segundo essa concepção, o constituinte teria dotado o Tribunal,
excepcionalmente, do poder de editar normas abstratas, de modo que essa atividade
judicial apresentaria fortes semelhanças com a atividade legislativa18. Para superar as
dificuldades que decorrem dessa concepção, procura-se restringi-la, afirmando-se que
se o direito subjetivo depender da organização de determinada atividade ou de
determinado serviço público ou, ainda, da disposição de recursos públicos, então deverá
ser reconhecida a inadmissibilidade do mandado de injunção19. Assim, não poderia o
mandado de injunção ser proposto com vistas a garantir, v. g., o pagamento do seguro-
15 Manoel Antonio Teixeira Filho, Mandado de injunção e direitos sociais, LTr, n. 53, 1989, p. 323;
Barroso chega a afirmar que “No contexto atual do constitucionalismo brasileiro, o mandado de injunção
tornou-se uma desnecessidade, havendo alternativa teórica e prática de muito maior eficiência” (Luís
Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 112).
16 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.
450-452; Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 123-124.
17 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data,
Constituição e processo, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 123.
18 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data,
Constituição e processo, cit., p. 123.
19 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data,
Constituição e processo, cit., p. 112-113.

14

desemprego20.
A expectativa criada com a adoção desse instituto no ordenamento
constitucional brasileiro levou à propositura de inúmeras ações de mandado de injunção
perante o Supremo Tribunal Federal21, o que acabou por obrigá-lo, num curto espaço de
tempo, a apreciar não só a questão relativa à imediata aplicação desse instituto,
independentemente da promulgação de regras processuais próprias, como também a
decidir sobre o significado e a natureza desse instituto na ordem constitucional
brasileira.
O mandado de injunção há de ter por objeto o não-cumprimento de dever
constitucional de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionalmente
assegurados (falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania).
Tal como tem sido freqüentemente apontado, essa omissão tanto pode ter
caráter absoluto ou total como pode materializar-se de forma parcial22.
Na primeira hipótese, que se revela cada vez mais rara, tendo em vista o
implemento gradual da ordem constitucional, tem-se a inércia do legislador que pode
impedir totalmente a implementação da norma constitucional.
A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial ou
incompleta de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razão do
atendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razão do
processo de mudança nas circunstâncias fático-jurídicas que venha a afetar a
legitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razão de
concessão de benefício de forma incompatível com o princípio da igualdade (exclusão
de benefício incompatível com o princípio da igualdade).
20 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data,
Constituição e processo, cit., p. 112-113.
21 Em 1990 e 1991 o STF julgou 203 MIs (dados do BNDPJ). Até 16-8-2006 o STF autuou 738 MIs
(dados da Secretaria Judiciária).
22 MI 542/SP, Rel. Celso de Mello, DJ de 28-6-2002.

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O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de apreciar pela primeira
vez as questões suscitadas pelo controle de constitucionalidade da omissão na decisão
de 23 de novembro de 198923.
A inexistência de regras processuais específicas exigia, tal como já
enunciado, que o Tribunal examinasse, como questão preliminar, a possibilidade de se
aplicar esse instituto com base, tão-somente, nas disposições constitucionais. A resposta
a essa questão dependia, porém, da definição da natureza e do significado desse novo
instituto.
A Corte partiu do princípio de que a solução que recomendava a
expedição da norma geral ou concreta haveria de ser desde logo afastada. A regra
concreta deveria ser excluída em determinados casos, como decorrência da natureza
especial de determinadas pretensões, v. g., daquelas eventualmente derivadas dos
postulados de direito eleitoral24. Tanto em relação a uma norma concreta quanto em
relação a normas gerais proíbe-se que a coisa julgada possa vir a ser afetada mediante
lei posterior (art. 5º, XXXVI). Como essas decisões judiciais haveriam de transitar em
julgado, não poderia a lei, posteriormente editada, contemplar questões que foram
objeto do pronunciamento transitado em julgado25.
A opinião que sustentava a possibilidade de o Tribunal editar uma regra
geral, ao proferir a decisão sobre mandado de injunção, encontraria insuperáveis
obstáculos constitucionais. Tal prática não se deixaria compatibilizar com o princípio da
divisão de Poderes e com o princípio da democracia. Além do mais, o modelo
constitucional não continha norma autorizadora para a edição de regras autônomas pelo
juizado, em substituição à atividade do legislador, ainda que com vigência provisória,
como indicado pela doutrina. Portanto, essa posição revela-se incompatível com a
Constituição26.
Contra esse entendimento colocar-se-ia, igualmente, o princípio da
reserva legal, constante do art. 5º, II, da Constituição, uma vez que essas regras gerais,
23 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133.
24 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 e s.
25 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (33).
26 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (34-35).

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que deveriam ser editadas pelos Tribunais, haveriam de impor obrigações a terceiros,
que, nos termos da Constituição, somente podem ser criadas por lei ou com fundamento
em uma lei.
Por outro lado, a opinião dos representantes dessa corrente, que
sustentavam a inadmissibilidade do mandado de injunção nos casos em que o exercício
do direito subjetivo exigisse a organização de determinada atividade, instituição técnica
ou em que fosse imprescindível a disposição de recursos públicos, acabaria por tornar
quase dispensável27 a garantia constitucional do mandado de injunção.
Após essas considerações, deixou assente o Supremo Tribunal Federal
que, consoante a sua própria natureza, o mandado de injunção destinava-se a garantir os
direitos constitucionalmente assegurados, inclusive aqueles derivados da soberania
popular, como o direito ao plebiscito, o direito ao sufrágio, a iniciativa legislativa
popular (CF, art. 14, I, III), bem como os chamados direitos sociais (CF, art. 6º), desde
que o impetrante estivesse impedido de exercê-los em virtude da omissão do órgão
legiferante.
Como omissão deveria ser entendida não só a chamada omissão absoluta
do legislador, isto é, a total ausência de normas, como também a omissão parcial, na
hipótese de cumprimento imperfeito ou insatisfatório de dever constitucional de
legislar28.
Ao contrário da orientação sustentada por uma das correntes
doutrinárias29, o mandado de injunção afigurava-se adequado à realização de direitos
constitucionais que dependiam da edição de normas de organização, pois, do contrário,
esses direitos não ganhariam qualquer significado30.
Todavia, o Tribunal entendeu, e assim firmou sua jurisprudência, no
sentido de que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e a
27 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (32-33).
28 MI 542/SP, Rel. Celso de Mello, DJ de 28-6-2002.
29 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11-31.
30 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/33.

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determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas31.
Após o Mandado de Injunção n. 107, “leading case” na matéria relativa
à omissão, a Corte passou a promover alterações significativas no instituto do mandado
de injunção, conferindo-lhe, por conseguinte, conformação mais ampla do que a até
então admitida.
No Mandado de Injunção n. 28332, o Tribunal, pela primeira vez,
estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena
de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados.
No Mandado de Injunção n. 23233, o Tribunal reconheceu que, passados
seis meses sem que o Congresso Nacional editasse a lei referida no art. 195, § 7º, da
Constituição Federal, o requerente passaria a gozar a imunidade requerida.
Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica
função legislativa, o Supremo Tribunal Federal afastou-se da orientação inicialmente
perfilhada, no que diz respeito ao mandado de injunção.
As decisões proferidas nos Mandados de Injunção n. 283 (Rel.
Sepúlveda Pertence) e n. 232 (Rel. Moreira Alves) e, ainda, no MI n. 28434 (Rel. Celso
de Mello) sinalizaram para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma
solução “normativa” para a decisão judicial.
O tema do direito de greve do servidor público tem lugar de destaque na
jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de
injunção.
No Mandado de Injunção n. 20 (Rel. Celso de Mello, DJ de 22-11-1996),
firmou-se entendimento no sentido de que o direito de greve dos servidores públicos
não poderia ser exercido antes da edição da lei complementar respectiva, sob o
31 Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurança, cit., p. 277.
32 MI 283, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 2.10.1992.
33 MI 232, Rel. Moreira Alves, DJ de 27.3.1992.
34 MI 284 - Rel. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Celso de Mello, DJ de 26.6.1992.

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argumento de que o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituía
norma de eficácia limitada, desprovida de auto-aplicabilidade.
Portanto, nas diversas oportunidades em que o Tribunal se manifestou
sobre a matéria, reconhecia-se unicamente a necessidade de se editar a reclamada
legislação, sem admitir uma concretização direta da norma constitucional.
Na sessão de 7.6.2006, foi proposta a revisão parcial do entendimento até
então adotado pelo Tribunal. Assim, foram apresentados votos que recomendavam a
adoção de uma “solução normativa e concretizadora” para a omissão verificada.
Tendo em vista essa situação peculiar, recomendou-se a adoção explícita
de um modelo de sentença de perfil aditivo, tal como amplamente desenvolvido na
Itália.
No caso do direito de greve dos servidores públicos, afigurava-se
inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o
exercício do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 9º, caput, c/c o art. 37,
VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma
contínua (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorga ao legislador
qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de
greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos
restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de
reconhecer o direito previamente definido na Constituição.
Identifica-se, pois, no caso, a necessidade de uma solução obrigatória da
perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou
não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da
sua disciplina.
Em 25 de outubro de 2007, o Tribunal, por maioria, conheceu dos
mandados de injunção ns. 670 e 70835 e, reconhecendo o conflito existente entre as
35 MI 670, Rel. para o acórdão Gilmar Mendes; MI 708, Rel. Gilmar Mendes e MI 712, Rel. Eros Grau.

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necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores
públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma
contínua, de outro, bem assim, tendo em conta que ao legislador não é dado escolher se
concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada
configuração da sua disciplina, reconheceu a necessidade de uma solução obrigatória da
perspectiva constitucional e propôs a solução para a omissão legislativa com a
aplicação, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de
greve na iniciativa privada36.
Assim, o Tribunal, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no
sentido de estar limitada à declaração da existência da omissão legislativa para a edição
de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o
exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação
provisória pelo próprio Judiciário.
O Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentença de perfil aditivo37,
introduzindo modificação substancial na técnica de decisão do mandado de injunção.
Estamos, portanto, diante de significativa revisão da jurisprudência no
que concerne ao direito de greve do servidor público, que poderá ter importantes
reflexos na configuração do instituto no Direito brasileiro.
IV. Conclusões
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 manteve o
sistema híbrido de controle de constitucionalidade, que abrange tanto o sistema concreto
quanto o de ordem abstrata.
36 Os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio limitavam a decisão à categoria
representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das
paralisações.
37 As sentenças aditivas ou modificativas são aceitas, em geral, quando integram ou completam um
regime previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora
solução constitucionalmente obrigatória.

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No entanto, a Constituição ampliou significativamente a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, enfatizando de forma decisiva o controle
abstrato, tanto por meio da expansão do rol de legitimados a ajuizar ações diretas de
inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, quanto pelo
procedimento, dotado de amplitude, presteza e celeridade necessárias inclusive para
absorver pleitos tipicamente individuais.
No âmbito do controle de constitucionalidade, a Constituição deu
atenção especial ao problema da omissão do legislador, prevendo instrumentos
pertinentes tanto ao controle difuso, como o mandado de injunção, quanto ao controle
concentrado de constitucionalidade, como a Ação Direita de Inconstitucionalidade por
omissão.
Nesse aspecto, a jurisdição constitucional brasileira tem desenvolvido,
gradualmente, diferentes técnicas de decisão. Se em primeiro momento o STF limitouse,
ao reconhecer a omissão, a emitir determinadas orientações ao legislador,
posteriormente foram empregadas técnicas como a declaração de inconstitucionalidade
sem pronúncia de nulidade e sentenças aditivas.
Em especial, destacam-se os casos de omissão parcial, em que se verifica
inequívoca fungibilidade entre os instrumentos da ação direta de inconstitucionalidade e
da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, oferecidos pela Constituição
Brasileira no controle abstrato de normas.
O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, ainda que em
desenvolvimento, demonstrou possuir os instrumentos adequados para sanar eventuais
inconstitucionalidades, ainda que originadas da omissão do legislador.

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