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quinta-feira, 12 de junho de 2008

ARTIGO: A vida humana - Claudio Fonteles - Observatório da jurisdição constitucional IDP

Observatório da Jurisdição Constitucional

Ano 1 - Abril 2008 - Brasília - Brasil - ISSN 1982-4564

A VIDA HUMANA
Claudio Fonteles

Professor e Subprocurador Geral da República

1. Foi-me dada a possibilidade, quando no exercício do cargo de
Procurador-Geral da República, de meditar sobre o tema da vida humana.
2. Em primeiro momento, na conhecida questão do bebê
anencéfalo.
3. Pude, então, afirmar que, verbis:
“30. Com efeito, está no caput do art. 5º da Constituição
Federal, que abre o Título alusivo aos “Direitos e Garantias
Fundamentais”, verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida... “ (grifei).
31. Portanto o direito à vida é posto como marco primeiro, no
espaço dos direitos fundamentais.
32. O autor desta ação tem por tema central do pleito o fato de
que nos caos de anencefalia não há possibilidade de vida extrauterina,
então razão não há a que permaneça a gestação.
33. Mas se há normal processo de gestação vida intra-uterina
existe.
34. E nos casos de anencefalia há o normal desenvolvimento
físico do feto: formam-se seus olhos, nariz, ouvidos, boca, mãos,
enfim, o que lhe permite sentir, e também braços, pernas, pés
pulmões, veias. sangue que corre, o coração.
35. Ora, o art. 2º de nosso Código Civil, justo por não
obscurecer esta realidade da vida que se forma no ventre
materno, é textual, verbis:
“Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro” (grifei)
36. O art. 4.1. da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos é, igualmente, textual, verbis:
“Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Esse
direito estará protegido pela lei, no geral, a partir do
momento da concepção” (grifei)
37. A Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu art. 1º,
reconhece o direito intrínseco à vida que tem todo ser humano
concebido. O Preâmbulo desta Convenção é claro, verbis:
“A criança, pro falta de maturidade física e mental,
necessita de proteção e cuidado especiais, aí incluída a
proteção legal, tanto antes, como depois, do nascimento”.
38. Portanto, os diplomas legais, tanto do direito interno, quanto
internacional, estabelecem que vida há, desde a concepção.
39. Eis porque não se revela correta a afirmação do ilustre
advogado da autora quando, a buscar fazer prevalecer o direito
da gestante, registrou que
“... por fatalidade, não há viabilidade de uma outra vida,
sequer um nascituro, cujo interesse se possa eficazmente
proteger” ( item 26 da petição inicial).
40. Ora, o próprio dicionarista Aurélio Buarque de Holanda,
trazido à colação pelo ilustre advogado em nota de pé de página
sobre a transcrição retro, é textual em definir o nascituro como
o ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como
fato futuro certo.
41. O bebê anencéfalo por certo nascerá.
42. Pode viver segundo, minutos, horas, dias, e até meses. Isto e
inquestionável!
43. E aqui o ponto nodal da controvérsia: a compreensão
jurídica do direito à vida legitima a morte, dado o curto espaço
de tempo da existência humana?
44. Por certo que não!
45. Se o tratamento normativo do tema, como vimos (itens
34/37, deste parecer), marcadamente protege a vida, desde a
concepção, por certo é inferência lógica, inafastável, que o
direito à vida não se pode medir pelo tempo, seja ele qual for,
de uma sobrevida visível.
46. Estabeleço, portanto, e em construção estritamente jurídica,
que o direito à vida é atemporal, vale dizer, não se avalia pelo
tempo de duração da existência humana.
47. E se assim o é, e o é efetivamente, dada a clareza dos textos
normativos importa prosseguir, e indagar, então: a dor temporal
da gestante é causa bastante a obscurecer, e então relativizar, a
compreensão jurídica do direito à vida, como venho de
assentar?
49. Estou em que não!
50. De pronto, não são todas as gestantes que, por sua dor,
almejam livrar-se do ser humano que existe em seus ventres
maternos.
51. Há outras, também, gestantes, que, se experimentam a dor
superam-na e, acolhendo a vida presente em seu ser, deixam-na
viver, pelo tempo possível.
52. Digo isso para assentar que a dor da gestante não é comum a
todas as gestante, de sorte que, e atento ao princípio jurídico da
proporcionalidade, a temporalidade do direito à vida, como
desenvolvi nos itens 42/45, retro, sobrepuja, por essa
perspectiva, o direito da gestante de não sentir a dor, visto que a
dor não será partilhada por todas as gestante, ao passo que
todos os fetos anencéfalos terão suprimidas suas vidas.
53. É de se reconhecer, outrossim, e mantido o raciocínio na
ponderação de bens, que por certo o sofrer uma dor, mesmo que
intensa, não ultrapassa o pôr cobro a uma vida, que existe, intrauterina,
e que, seja sempre reiterado, goza de toda proteção
normativa, tanto sob a ótica do direito interno, quanto
internacional.
54. O feto no estado intra-uterino é ser humano, não é coisa!
55. Noutro giro de argumentação, é de se ter presente que o art.
3º, inciso I, da Constituição de nossa República expressa como
objetivo seu, perene, verbis:
“I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”
(grifei)
56. Ora, o pleito da autoria, titulado por órgão que representa
profissionais da área da saúde, impede possa acontecer a
doação de órgãos do bebê anencéfalo a tanto outros bebês que,
se têm normal formação do cérebro, todavia têm grave
deficiência nos olhos, nos pulmões, nos rins, no coração, órgãos
estes plenamente saudáveis no bebê anencéfalo, cuja morte
prematura frustará vida de outros bebês, assim também
condenados a morrer, ou a não ver.
57. O pleito da autora, por certo, vai na contra-mão da
construção da sociedade solidária a que tanto de nós, brasileiras
e brasileiros, aspiramos, e o ser solidário é modo eficaz de
instituir a cultura da vida.”
4. Diga-se ainda, no tema, que tão mais grave é a omissão do
Estado brasileiro no dever, ínsito ao sistema democrático, de informar o povo,
posto que se evitar a anencefalia é bastante simples.
5. Importa que a gestante seja esclarecida da necessidade de,
por esse período, consumir adequadamente vegetais – simples exercício de
compatível ingestão alimentar – posto que o distúrbio anencéfalo está na razão
direta da carência do ácido fólico no organismo da gestante.
6. Nada que campanhas massivas no rádio e na televisão, e em
divulgação ampla por cartazes colados em todas as unidade médicas, mormente
nas áreas rurais, e na periferia urbana, não pudesse resolver.
7. Outra questão, apresentei-a sobre a pesquisa com célulastronco
embrionárias.
8. Disse, a propósito, verbis:
“18. Fica, pois, assente:
- que a vida humana acontece na, e a partir da,
fecundação: o zigoto, gerado pelo encontro dos 23
cromossomos masculinos com os 23
cromossomos feminino;
- a partir da fecundação, porque a vida humana é
contínuo desenvolver-se;
- contínuo desenvolver-se porque o zigoto,
constituído por uma única célula, imediatamente
produz proteínas e enzimas humanas, é
totipotente, vale dizer, capacita-se, ele próprio,
ser humano embrionário, a formar todos os
tecidos, que se diferenciam e se auto-renovam,
constituindo-se em ser humano único e
irrepetível;
- a partir da fecundação, a mãe acolhe o zigoto,
desde então propiciando o ambiente a seu
desenvolvimento, ambientação que tem sua etapa
final na chegada ao útero. Todavia, não é o útero
que engravida, mas a mulher, por inteiro, no
momento da fecundação;
- a pesquisa com células-trocos adultas é,
objetiva e certamente, mais promissora do que a
pesquisa com células-tronco embrionárias, até
porque com as primeiras resultados auspiciosos
acontecem, do que não se tem registro com as
segundas.” (obra citada – pg. 135/6)
9. Assentadas tais conclusões, mais uma vez detectamos a
igualmente grave omissão do Estado brasileiro no responder adequadamente à
questão posta.
10. É que o cordão umbilical, atirado ao lixo após o parto,
todavia é fonte inesgotável de pesquisa, visto que se apresenta como
manancial de células-tronco, inapropriadamente ditas adultas, a propiciar
resultados mais eficazes em quadro de regeneração da saúde.
11. No entanto, as mães não são informadas de que, com simples
autorização do próprio punho, podem preservar essa fonte de pesquisa que,
repito, é lançada ao lixo hospitalar.
12. E porque o Estado brasileiro não provê, por simples
construção de unidades públicas de coleta e guarda, gratuita, dos cordões
umbilicais, a permanência da pesquisa nessa área, preferindo mergulhar na
escura, e criminosa, pesquisa com seres humanos vivos, eis que no estágio
embrionário, além de manter o comércio inescrupuloso com os embriões
humanos?
13. Na verdade, tem-se, reitero sempre, por grave omissão do
Estado brasileiro no informar, e no criar e aparelhar unidades públicas de
coleta e guarda dos cordões umbilicais, inciativas simples e eficazes, a
permanência de quadro efetivamente comprometedor à preservação da vida e da
saúde humanas.
14. Fica claro, portanto, que a luta pela inviolabilidade da vida
humana é indiscutível luta da cidadania contra a passividade do Estado
brasileiro.


FONTELES, Cláudio. A vida humana. Observatório da Jurisdição
Constitucional, Brasília, ano 1, abr. 2008. Disponível em:
. Acesso em: 13/06/2008

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