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quinta-feira, 5 de março de 2009

bitishcouncil.org - Violência e Direitos Humanos -

Violência e Direitos Humanos

Brasil, Violência, Tortura contra Criança.
Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Habeas Corpus número 70.389-5 interposto Tânia Lis Tizzoni Nogueira, contra o Superior Tribunal de Justiça, em favor de Herbert Fernando de Carvalho e outro. Acórdão de 23/06/1994, publicado no Diário de Justiça de 10/08/2001.
Ministro Relator:
Sydney Sanches; Ministro Relator para o Acórdão: Celso de Mello
Legislação Comparada e Internacional:
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Convenção Interamericana contra a Tortura e Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Fatos:
Os impetrantes, policiais militares, foram acusados de cometer o crime de tortura contra o adolescente Alexandre Moreira Lemes. Segundo os autos, os impetrantes levaram o adolescente, acusado de furto, a um posto policial e lhe agrediram violentamente com a intenção de obter confissão. Os impetrantes foram processados na Justiça Estadual pelo delito de tortura, conforme regra prevista no artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente e, perante a Justiça Militar, por crime de ofensa à integridade corporal, previsto no artigo 209 do Código Penal Militar. Os impetrantes sustentam a possibilidade de ambos serem processados e julgados perante órgãos de natureza diversa pelos mesmos fatos, viola o princípio que veda a dupla punição penal “non bis in idem” e postulam a definição da competência da Justiça Militar ou da Comum para o julgamento do feito.
Decisão:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram, por maioria de votos, em deferir, em parte, o pedido de habeas corpus, para prosseguir somente com o julgamento quanto ao artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, na Justiça comum, e em declarar a constitucionalidade do referido dispositivo.
Citações relevantes na argumentação jurídica:
“O crime de tortura, desde que praticado contra criança ou adolescente, constitui entidade delituosa autônoma cuja previsão típica encontra fundamento jurídico no art. 233 da lei nº. 8.069/90. Trata-se de preceito normativo que encerra tipo penal aberto suscetível de integração pelo magistrado [...] [e] ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX)”
“Esses atos internacionais [tratados de direitos humanos] já se acham incorporados ao plano do direito positivo interno [...] e constituem, sob esse aspecto, instrumentos normativos que, podendo e devendo ser considerados pelas autoridades nacionais, fornecem subsídios relevantes para a adequada compreensão da noção típica do crime de tortura, ainda que em aplicação limitada, no que se refere ao objeto de sua incriminação, apenas às crianças e aos adolescentes.” (p. 218, voto Ministro Celso de Mello)
“[...] Pouco importa que, nos tratados, não se trate de norma penal: a remissão da lei interna a um conceito, definido no tratado, cominando-lhe pena, é, evidentemente, forma de instituir uma norma penal.” (p.273, voto Ministro Sepúlveda Pertence)
“A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento jurídico.”
“O policial militar que, a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado, inflige mediante desempenho funcional abusivo, danos a menor eventualmente sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo para intimidá-lo e coagi-lo à confissão de determinado delito, pratica, inequivocamente, o crime de tortura [...], [o qual] submete-se à competência da Justiça comum do Estado-membro, eis que esse ilícito penal, por não guardar correspondência típica com qualquer dos comportamentos previstos pelo Código Penal Militar, refoge à esfera de atribuições da Justiça Militar estadual.”

Brasil, Violência, Tortura Psicológica.
Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Habeas Corpus número 79.920-5, impetrado por Carlos Frederico D’Avila Mello Portella contra Superior Tribunal de Justiça, a favor de Aloísio Russo Junior. Acórdão de 11/04/2000, publicado no Diário de Justiça de 01/06/2001.
Ministro Relator:
Maurício Corrêa.
Fatos:
O paciente, policial civil, alega estar sofrendo coação ilegal em virtude de prisão preventiva decretada em processo-crime que responde por abuso de autoridade em concurso material com o crime de tortura. O paciente alega violação do princípio constitucional de presunção de inocência devido à pressão exercida pela mídia sobre o Parquet e o Judiciário. Alega também a inocorrência do tipo alegado na denúncia, pois somente causou lesões leves na vítima. Finalmente, afirma inexistência dos requisitos para decretação da prisão preventiva.
Decisão:
A turma, por maioria de votos, conheceu parcialmente a demanda e indeferiu o pedido de habeas-corpus. O Tribunal entendeu que não podia conhecer a demanda com relação às alegações de violação da presunção de inocência, pressão da mídia e transcurso de cinco meses entre o fato e a prisão porque essas questões não foram objetos da decisão impugnada.
Citações:
“Quanto à classificação dada ao ato praticado na denúncia, como crime de tortura, cabe perquirir na fase inicial do processo-crime apenas a ocorrência de evidente equívoco ou erro [...] É irrelevante o exame da extensão ou a classificação das lesões físicas sofridas pela vítima, principalmente porque há formas de torturas que sequer deixam lesões aparentes, como ocorre com a tortura feita mediante grave ameaça, ou com a psicológica. [...] Não havendo, pois, equívoco ou erro evidente a ser reparado nos limites do habeas-corpus para o fim de se declarar a inépcia da denúncia ou a desclassificação do crime.” (pp. 581-583)
“Esta prisão foi decretada no bojo já de um procedimento criminal em que graves são os fatos. Não só que a gravidade dos fatos conduza à conclusão de configurar-se um desses pressupostos – garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou aplicação da lei penal – mas não é menos exato que a gravidade dos fatos, - tendo em conta a condição de policial do paciente e a forma como essa conduta teria sido desenvolvida, a possibilidade de poder ele prosseguir em liberdade, no exercício quiçá de suas funções, - não afasta, sem dúvida nenhuma, uma conclusão admissível neste juízo provisório, qual seja a de vir ele representar uma ameaça à ordem pública e criar dificuldades para a regular instrução criminal.
No ponto, o magistrado de primeiro grau, próximo dos fatos [...] [possui] uma posição mais favorável para apreciar diretamente, imediatamente, esta conveniência de manter-se o acusado preso preventivamente.” (p. 602)

Brasil, Violência, Genocídio.
Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Recurso Especial número 222.653 interposto pelo Ministério Público Federal contra Octávio João Pereira de Morais, Francisco Alves Rodrigues, Juvenal Silva, Eliezio Monteiro Néri e Pedro Emiliano Garcia. Acórdão de 12/09/2000, publicado no Diário de Justiça de 30/10/2000.
Ministro Relator:
Jorge Scartezzini
Legislação Comparada e Internacional:
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio da Organização das Nações Unidas.
Fatos:
Os réus foram denunciados pelo Ministério Público Federal pela prática de delitos de lavra garimpeira ilegal, contrabando, ocultação de cadáver, dano, formação de quadrilha, todos em conexão com genocídio e associação para o genocídio, cometidos contra os índios yanomami, resultando nas mortes de doze índios. O juiz de primeira instância da Justiça Federal, em face da comprovação de crime contra indígenas, condenou-os pela prática de genocídio, dano e associação para genocídio, inocentando-os dos demais crimes. No Recurso de Apelação, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região entendeu que a competência, por conexão, diante da existência de crimes dolosos contra a vida, era do Tribunal do Júri e a determinou a anulação da sentença de primeiro grau, retornando os autos à origem. O Recurso Especial apresentado versa sobre a competência para o julgamento do crime de genocídio.
Decisão:
O Superior Tribunal de Justiça declarou competente o Juiz Singular Federal para apreciar os delitos arrolados na denúncia, devendo o Tribunal de origem julgar as apelações que restaram prejudicadas. Decretada extinta a punibilidade em relação a Francisco Alves Rodrigues em face de seu falecimento. Afirmam tratar-se de competência federal por terem sido praticados delitos penais em detrimento de bens tutelados pela União Federal, direitos indígenas. Sustentam que o bem jurídico tutelado, no caso concreto, não é a vida do indivíduo, mas sim, “a vida em comum do grupo de homens ou parte destes, ou seja, a comunidade de povos, mais precisamente, da etnia dos silvícolas integrantes da tribo Haximú, dos Yanomami, localizada em terras férteis para a lavra garimpeira.”
Citações:
“O crime de genocídio tem objetividade jurídica, tipos objetivos e subjetivos, bem como sujeito passivo, inteiramente distintos daqueles arrolados como crimes contra a vida. Assim, a idéia de submeter tal crime ao Tribunal do Júri encontra óbice no próprio ordenamento processual penal, porquanto não há em seu bojo previsão para este delito, sendo possível apenas e somente a condenação dos crimes especificamente nele previstos, não se podendo neles incluir, desta forma, qualquer crime que haja morte da vítima, ainda que causada dolosamente.”
“Outrossim, o bem jurídico tutelado é a vida em comum dos grupos de homens, da comunidade de povos, ou seja, da etnia [...] Logo, garante-se como bem jurídico os ideais humanitários de que todos os povos ou grupo de pessoas, entre eles os silvícolas, não obstante suas diferenças, têm a pretensão ao reconhecimento de sua dignidade humana e existência.”

Uso da Terra e Direitos Humanos

Brasil, Justiça e Terra, Reforma Agrária.
Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.213-0, interposta pelo Partido dos Trabalhadores e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura contra o Presidente da República. Acórdão de 04/04/2002, publicado no Diário de Justiça de 23/04/2002.
Ministro Relator:
Celso de Mello
Fatos:
Trata-se de ação direta, com pedido de liminar, em que se objetiva a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Medida Provisória No. 2.207-38 de 04 de maio de 2000. Afirmam que a medida provisória em questão revela-se formalmente inconstitucional, porque editada com inobservância dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância. Adicionalmente, alegam que certas disposições da medida provisória frustrariam a efetiva concretização da função social da propriedade rural, além de supostamente haver vulnerado o artigo 185 da Constituição por criar uma espécie de propriedade insuscetível de desapropriação.
Decisão:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal indeferiram a liminar por vício formal, rejeitaram a preliminar se não-conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade e não conheceu a ação direta de inconstitucionalidade.
Citações:
“Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário [...]. [Essa possibilidade] apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional [...]. Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas.”
“O direito da propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada [...]. Incumbe, ao proprietário de terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos.”
“Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta daqueles que [...] visam, pelo emprego arbitrário da força pela ocupação ilícita de prédios públicos e imóveis rurais, a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, apara efeito da execução do programa da reforma agrária. O processo de reforma agrária [...] não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que se cuide de imóveis alegadamente improdutivos [...]. O respeito à lei e à autoridade da Constituição da República, representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania [...]”.
“As prescrições constantes na MP 2.027/2000 [...] precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade [...] pois visam [...] a resguardar a integridade de valores protegidos pela própria Constituição da República.”
“Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da ação direta, indicar as normas de referência [...] em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais.”

Brasil, Justiça e Terra, Movimento Social Legítimo.
Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, Habeas Corpus número 5.574. Impetrado por Luiz Eduardo Greenhalgh e outros, contra o Desembargador Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a favor de Marcio Barreto, Felindo Procópio dos Santos, Claudemir Marques Cano, Laércio Barbosa e José Rainha Júnior. Acórdão de 08/04/1997, publicado no Diário de Justiça de 18/08/1997.
Ministro Relator:
William Patterson; Relator designado: Luiz Vicente Cernicchiaro.
Norma Constitucional Decisiva:
Artigo 5º, LXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil.
Fatos:
Trata-se de habeas corpus originário impetrado em favor de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que respondem ação penal por esbulho possessório e formação de quadrilha, visando revogar a ordem de prisão preventiva. Os pacientes haviam sido beneficiados com a concessão de liberdade mediante fiança pelo Superior Tribunal de Justiça. Foi decretada a quebra da fiança e restabelecida a prisão preventiva. Os impetrantes sustentam que não houve ausência da instrução criminal ou prática de infração penal que justifiquem a quebra da fiança.
Decisão:
O Superior Tribunal de Justiça decidiu conceder a ordem de habeas corpus, determinando o recolhimento do mandado de prisão Baseiam a decisão na impossibilidade de um Juiz de Direito, como executor, cassar decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Citações:
“Fiança concedida pelo Superior Tribunal de Justiça não pode ser cassada por Juiz de Direito, ao fundamento de o Paciente haver praticado conduta incompatível com a situação jurídica a que estava submetido. Como executor do acórdão, deverá comunicar o fato ao Tribunal para os efeitos legais. Não o fazendo, preferindo expedir mandado de prisão, comete ilegalidade.”
“Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático.”
“Tenho o entendimento, e este Tribunal já o proclamou, não é de confundir-se ataque ao direito de patrimônio com o direito de reclamar a eficácia e efetivação de direitos, cujo programa está colocado na Constituição. Isso não é crime, é expressão do direito de cidadania.” (Voto Vogal, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro)

Brasil, Justiça e Terra, Direitos Indígenas.
Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma, Recurso Extraordinário número 183.188-0 interposto pela Comunidade Indígena de Jaguapiré, pela Fundação Nacional do Índio, pelo Ministério Público Federal e pela União Federal contra Octávio Junqueira Leite de Morais e Cônjuge. Acórdão de 10/12/1996, publicado no Diário de Justiça de 14/02/1997.
Ministro Relator:
Celso de Mello
Norma Constitucional Decisiva:
Artigo 109, I e XI e artigo 231, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil.
Fatos:
O presente caso versa sobre a ocupação de parte da Fazenda São José, de propriedade de Octávio Junqueira Leite de Moraes e cônjuge, por silvícolas da aldeia indígena “Porto Sossoró”, da Comunidade Indígena de Jaguapiré. O caso foi levado à Justiça Estadual e, em primeira instância, foi concedida liminar de reintegração de posse. Apelaram a Comunidade Indígena de Jaguapiré, a FUNAI e a União Federal argüindo a competência da Justiça Federal para disputas que versem sobre direitos indígenas. O Tribunal de Justiça do Estado Mato Grosso do Sul manteve a decisão do magistrado de primeira instância. O Supremo Tribunal Federal é, então, chamado para decidir sobre a questão da competência no caso. A área territorial em disputa compõe-se de terras que foram declaradas de posse permanente indígena e demarcadas administrativamente com homologação pelo Presidente da República.
Decisão:
O Supremo Tribunal Federal decidiu pelo recurso extraordinário, declarando nulos os atos decisórios e remetendo os autos à Justiça Federal de primeira instância. A decisão baseia-se no entendimento que a existência na relação processual de entidade autárquica federal ou da União Federal, incide, necessariamente, no deslocamento da competência para a Justiça Federal. Assim mesmo, compreendem que a Constituição Federal de 1988 ampliou a esfera de atribuições jurisdicionais da Justiça Federal a fim de incluir a disputa sobre direitos indígenas.
Citações:
“[...] a intervenção da União Federal basta para deslocar a causa para o âmbito da Justiça Federal, pois que somente a esta cabe “dizer se há na causa interesse da União, apto a deslocar o processo da justiça comum para sua esfera de competência” (RT 541/263)”. (p. 289)
“[...] não se inclui na esfera de atribuições jurisdicionais dos magistrados e Tribunais estaduais o poder para aferir a legitimidade do interesse da União em determinado processo”. (p. 290)
“Tratando-se, pois, [a FUNAI] de entidade autárquica instituída pela União Federal, torna-se evidente que, nas causas contra ela instauradas, incide, de maneira plena, a regra constitucional de competência da Justiça Federal inscrita no artigo 109 I, da Carta Política”. (p. 291)
“Tratando-se – consoante expresso reconhecimento oficial (que reveste a presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade) – de área tradicionalmente ocupada pelos índios, as terras nela abrangidas “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis” (CF, art. 231, §4º)”. (p. 293)
“Emerge claramente do texto constitucional que a questão da terra representa o aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais asseguradas ao índio, pois este, sem a possibilidade de acesso às terras indígenas, expõe-se ao risco gravíssimo da desintegração cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão de sua própria percepção e consciência como integrante de um povo e de uma nação que reverencia os locais místicos de sua adoração espiritual e que celebra, neles, os mistérios insondáveis do universo em que vive.” (p. 294-295)

Direito à Saúde

Brasil, Direito à Saúde, Direito a Medicamentos.
Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento número 486.816-1 interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra Ana Paula Santos de Oliveira. Acórdão de 12/04/2005.
Ministro Relator:
Carlos Velloso.
Fatos:
Trata-se de recurso à decisão de fornecimento gratuito, por parte do Estado, de medicamentos necessários ao tratamento da doença e custeio de passagens aéreas para São Paulo, onde é feito o respectivo tratamento.
Norma Constitucional Decisiva:
Artigo 5º, caput e 196 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Decisão:
A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo. Baseando-se nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, a turma decidiu que é obrigação do Estado o fornecimento de medicamentos para paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita.
Casos referidos:
STF. RE 271.286/RS, ‘DJ’ de 24.11.2000:
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196) [...] o Poder Público... [deve] garantir, aos cidadãos, [...] o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde [...] representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política [...] não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente [...].
STF. RE 264.269/RS, ‘DJ’ de 26.05.2000:
[...] dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados.


Igualdade de Não-Discriminação

Brasil, Igualdade e Não-Discriminação, Racismo.
Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Habeas Corpus número 82.424-1 impetrado por Werner Cantalício João Becker e outra contra o superior Tribunal de Justiça, a favor de Siegfried Ellwanger. Acórdão de 12/12/2002, publicado no Diário de Justiça de 19/03/2004.
Ministro Relator:
Moreira Alves (relator originário) e Marco Aurélio (relator para o acórdão).
Legislação Comparada e Internacional:
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Internacional contra o Genocídio, Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), Resolução 623 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas de 1998, Declaração de Durban. Lei 90615/90 da França; “Lei contra o Racismo” de 1995 da Espanha; Artigo 240 do Código Penal Português. Resolução B4-0108/98 do Parlamento Europeu.
Fatos:
O paciente publicou livros que buscavam negar fatos históricos relacionados às perseguições contra os judeus, em especial o holocausto, incentivando e aduzindo à discriminação racial. Absolvido em primeira instância, foi condenado a dois anos de reclusão, com “sursis” pelo prazo de quatro anos pelo Tribunal de Justiça. Em razão da imprescritibilidade inerente ao delito impetrou-se habeas-corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem. Contra essa decisão foi impetrado habeas-corpus ante o Supremo Tribunal Federal, em que alega que o delito de discriminação contra os judeus não se constitui crime de racismo, estando sujeito, portanto, à observância do prazo prescricional previsto em lei. Sendo assim, solicitou o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, uma vez que a condenação foi apresentada quase cinco anos após a denúncia.
Decisão:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, acordaram, por maioria de votos, em indeferir o habeas-corpus. Argumentaram que escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). Assim mesmo, defendem que a abrangência do conceito de racismo surge da compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, conjugando fatores e circunstâncias históricas políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. Finalmente, argüiram que a liberdade de expressão é garantia constitucional que não se tem como absoluta; que existem limites morais e jurídicos. “O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.”
Citações:
“O direito de qualquer cidadão de não ser alvo de práticas racistas, como de resto as demais garantias constitucionais, está inserido nas liberdades públicas asseguradas pela Carta Magna, sendo dever do Estado assegurar sua total observância. O respeito ao valor fundamental da pessoa humana é premissa básica do Estado de Direito, e sua desconsideração permite o surgimento de sociedades totalitárias. Nada pode ser mais aviltante à dignidade do homem do que ser discriminado e inferiorizado em seu próprio meio social.” (p.258-259)
“Os vocábulos raça e racismo não são suficientes, por si sós, para se determinar o alcance da norma. Cumpre ao juiz, como elementar, nesses casos, suprir a vaguidade da regra jurídica, buscando o significado das palavras nos valores sociais, éticos, morais e dos costumes da sociedade, observando o contexto e o momento histórico de sua incidência.” (p. 262)
“A intolerância e as conseqüências práticas discriminatórias, motivadas por impulsos racistas, especialmente dirigidos contra grupos minoritários, representam um gravíssimo desafio que se oferece à sociedade civil, a todas as instâncias de poder no âmbito do aparelho do Estado e do Supremo Tribunal Federal.” (p. 297-298)
[...] o grande desafio com que nós, Juízes da Suprema Corte deste País, nos defrontamos no âmbito de uma sociedade democrática: extrair, das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, e sua máxima eficácia, em ordem a tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais e sistemas institucionalizados de proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a intolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavra vãs.” (p. 296)

http://www.britishcouncil.org.br/human_rights/c_download.asp

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