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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

monografia: TRABALHO ESCRAVO URBANO NO BRASIL

Revista OAB
TRABALHO ESCRAVO URBANO
NO BRASIL
Aluno: João Pires de Miranda Júnior
Resumo: Artigo que traz o conceito do Trabalho Escravo Urbano no Brasil e suas
formas de ocorrência, com o caso de trabalhadores bolivianos e brasileiros. São
analisadas ações do Ministério Público do Trabalho, da Organização
Internacional do Trabalho e da CONAETE para a erradicação dessa modalidade
de exploração do ser humano.
Palavras-chaves: Trabalho escravo, trabalho escravo urbano.
Abstract: Article which brings the concept of Urban Slave Work in Brazil and its
ways of occurrence, with the case of Bolivian and Brazilian workers. It had been
analyzed actions from Ministério Público do Trabalho (Public Prosecution
Service of the Work), Organização Internacional do Trabalho (International
Labour Organization) and CONAETE for the eradication of this kind of human
exploration.
Keywords: Slave work eradication, urban slave work.
Introdução
Revista OAB
O crime que trata o artigo 149 do Código Penal
Brasileiro (submeter alguém as condições análogas à de escravo) existe desde 1940, e na
sua forma urbana que é posterior à decretação universal de repúdio das formas de
escravidão, ainda é uma questão presente no cotidiano da sociedade brasileira.
Com isso a recente alteração do artigo 149 do Código Penal, trouxe uma maior
amplitude a configuração do crime, inclusive auxiliando na configuração do trabalho
escravo urbano que ocorre em algumas metrópoles brasileiras.
As modificações já trouxeram sua amplitude para a realidade brasileira, a
confirmação disso são as recentes condenações pela justiça brasileira de empresários
utilizadores de mão-de-obra escrava, tanto no meio rural, como no meio urbano. Afirmando
o compromisso do Estado brasileiro em erradicar o trabalho escravo no Brasil em suas mais
diversas formas de ocorrência.
E esse compromisso não é só brasileiro, a prova disso é a mobilização de
organismos do governo federal e de organismos internacionais engajados na luta contra
essa odiosa forma de exploração do ser humano que é a escravidão rural e urbana.
Não se deve esquecer que a escravidão rural e urbana, ocorrem pela falta de
assistência dos órgãos governamentais no combate à pobreza, que talvez seja o principal
fator que leva um indivíduo a aceitar condições subumanas de trabalho na busca por
melhores condições de vida, como é o caso dos bolivianos e até mesmo brasileiros
escravizados em São Paulo em pequenas confecções de tecidos. Sendo esse um exemplo de
que o Estado deve se mobilizar para erradicar esse crime que é um problema histórico que
afeta a uma parcela da humanidade que ainda sofre com a escravidão humana.
Dessa forma este trabalho apresenta, uma participação no compromisso do
Estado com o esclarecimento do tema trabalho escravo urbano e suas formas de ocorrência,
dando uma pequena contribuição diante desse problema que ainda assola o Brasil,
impedindo que os direitos humanos sejam respeitados como preconiza a nossa legislação
pátria.
Revista OAB
2 Conceito de trabalho escravo rural e
urbano
Antes de qualquer discussão, faz-se necessária a conceituação a respeito do
trabalho escravo rural e o trabalho escravo urbano, por serem duas modalidades de
condutas exploratórias do ser humano que possuem características semelhantes, mas
diferem quanto as suas formas de aplicação.
2.1 Trabalho escravo rural
Quando se ouve falar em trabalho escravo rural, o que vem à memória é uma
época em que o escravo estava acorrentado, trabalhando de sol a sol e vivendo em senzalas,
e fica com isso, a impressão que a escravidão do ser humano foi extinta a partir da
assinatura da lei áurea.
Mas é sabido que a escravidão rural ainda existe nos dias de hoje e que a figura
do escravo das senzalas açoitado e acorrentado pode até não fazer mais parte do nosso
cotidiano, mas a escravidão rural vem se modernizando e conseguindo se manter viva com
modalidades de aliciamento cada vez mais tentadoras para os trabalhadores carentes de um
emprego e de dignidade.
A escravidão rural é a modalidade mais conhecida no Brasil e tem como
característica principal a privação da liberdade, que é retirada do empregado muitas vezes
por uma suposta dívida com o empregador. Como exemplo de uma de suas formas,
trabalhadores são contratados para trabalhar em fazendas com promessas de bons salários e
moradia. Essas fazendas geralmente são distantes das cidades e os empregados precisam de
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alimentos, moradia, vestuário, instrumentos de trabalho e outras
necessidades básicas que são supridas pelo próprio fazendeiro, a um custo exorbitante que
futuramente será descontado do salário do empregado.
Com o passar do tempo a dívida vai ficando maior e as condições de saldá-la
são cada vez mais inexistentes, a partir daí está concretizada uma dívida do empregado com
o empregador que será paga com o trabalho do empregado.
Geralmente os documentos de identidade e a carteira profissional, quando o
empregado possui, ficam retidos com o empregador para que assim o empregado não fuja
sem quitar os seus débitos, sendo assim estabelecida a coerção moral do empregador em
relação ao empregado, que além disso tudo, ainda sofre com a intimidação e a força física
dos seguranças do fazendeiro para que não haja fugas, estando assim concretizada a
escravidão rural nos moldes modernos.
2.2 Trabalho escravo urbano
A escravidão urbana possui semelhanças com a rural, mas possui características
próprias, nela não há o trabalho forçado, nem tão pouco do uso da força para evitar fugas,
mas sim a coerção moral e o meio ambiente de trabalho degradante que na maioria dos
casos, não propicia condições para que o escravizado saia da condição de escravo urbano.
Em geral, a condição de escravo urbano não é percebida nem pelos próprios
escravizados que na ânsia por um emprego e por melhores condições de vida, não se dão
conta que estão sendo explorados, nem tampouco escravizados.
Na escravidão urbana, por menor que seja, o escravizado recebe um salário e na
maioria dos casos não tem nenhum obstáculo físico que o impeça de ir embora quando bem
entender, mas sofre coerção moral para não se desvincular do emprego. E por medo em
função de sua situação financeira e de sua falta de instrução acerca de seus direitos, não
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arrisca ficar sem o pouco que conseguiu, mesmo sabendo que esse
pouco é quase nada.
Não é somente a falta de liberdade de ir e vir, o trabalho forçado e supostas
dívidas com o empregador que agora caracteriza o trabalho em condições análogas à de
escravo, mas também o trabalho com sujeição da vítima a condições degradantes, sem
respeito às normas trabalhistas no que concerne às jornadas exaustivas de trabalho e sem as
mínimas condições de dignidade, como falta de condições de saúde, higiene, a retenção de
salários, o não-fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de atendimento
médico, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo humano, entre
outros, são elementos associados ao trabalho escravo urbano.
3 Análise casuística e demonstração de resultados
No Brasil, a escravidão atingiu seu ápice, através de uma inspiração no antigo
modelo do sistema colonial das metrópoles européias que foi implantado nos áureos tempos
da escravidão, o escravo estava destinado a produzir em larga escala e em grandes
fazendas, sendo a peça chave para a produção da matéria prima para exportação. Nesta
estrutura produtiva, o escravo era considerado apenas uma mercadoria, uma associação do
capital e do trabalho, objeto de compra, venda e aluguel. Como mercadoria, ele estava
sujeito aos riscos de perdas e lucros, não tendo direitos, somente obrigações, sem direito à
vida, sem direito a nada.
Com isso escravidão no Brasil promoveu o início do desenvolvimento das
forças produtivas e das relações sociais de produção. A escravidão foi garantida por um
Estado que sujeitava o escravo ao trabalho forçado, não permitindo que ele saísse da
condição de escravo, ou seja, legitimando a exploração humana.
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A violência da escravidão urbana no Brasil começa na
própria forma de extração degradante do trabalho. Vários autores já escreveram a respeito
do assunto, não havendo uniformidade em seus pensamentos, embora se possa vislumbrar,
em todos, a mesma repulsa a essas formas humilhantes de tratar o ser humano, sujeitando-o
ao trabalho em condições que deveriam ser negadas a toda a humanidade, em função das
próprias condições de trabalho violarem a dignidade do ser humano. Sendo visível que um
duplo contexto leva a essa condição, de um lado a miséria e a necessidade de sobrevivência
por parte do trabalhador, de outro, a indignante exploração da mão-de-obra por empresas
cada vez mais ávidas pelo lucro desonesto.
À vista desse quadro não há de se negar que o Estado brasileiro, signatário da
maior parte das convenções, tem um compromisso nacional e internacional com a
abolição do trabalho forçado ou obrigatório e, muito especialmente, com a luta
contra o trabalho em condições análogas a de escravo, que configura crime
capitulado no artigo 149 do CPB. E esse compromisso obviamente não compete
somente à União, uma vez que também os Estados os Municípios e o Distrito
Federal compõem a República Federativa do Brasil (artigo 18, caput, da CRFB),
que tem por fundamentos a dignidade da pessoa humana e o valor social do
trabalho (artigo 1º, III e IV), e que se rege nas relações internacionais pelo
princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II).
Assim entendido, é certo que todos os entes federativos, União, Estados,
Municípios e Distrito Federal detêm o mesmo compromisso público de
implementar políticas públicas de inibição e de eliminação das formas de trabalho
escravo contemporâneo. Essa compreensão è especialmente valiosa para aquelas
Unidades da Federação cujas estatísticas sociais sugerem recorrência no
problema da escravidão contemporânea.1
A pobreza é certamente um fator de vulnerabilidade que termina atraindo
trabalhadores para situações degradantes. Mas a impunidade é a principal causa
de, em pleno século XXI, pessoas ainda trabalharem sem quaisquer direitos. Esse
é um crime oculto e raramente punido, mas pode ser reduzido e abolido com
medidas repressivas eficientes e interesse dos governos.
Neste caso, não tratamos da escravidão clássica, mas das modernas formas dessa
odiosa forma de aviltamento da dignidade humana. O uso dos termos “trabalho
análogo ao de escravo” em lugar de “trabalho escravo” não torna a questão mais
clara. O trabalho escravo, como modalidade de trabalho forçado, já foi
suficientemente descrito nas convenções internacionais, principalmente a
Convenção nº 29, a Convenção Suplementar de 1956 e a Convenção nº 105, todas
da OIT. Deve se ter sempre em mente que o compromisso atual do Estado
brasileiro não é apenas combater o trabalho escravo, mas erradicá-lo.
1 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre os caminhos institucionais para o combate ao trabalho escravo
contemporâneo no âmbito dos municípios. ADV Advocacia Dinâmica: seleções jurídicas, n. 4, p. 16-21, abr.
2005. p. 16.
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O Brasil é citado pelo menos oito vezes no relatório
da OIT, que destaca avanços que vão desde o aumento do número de
trabalhadores libertados pelos grupos móveis de fiscalização do Ministério do
Trabalho ao pagamento de indenizações pelos empregadores às pessoas
resgatadas, passando por mudanças na legislação e campanhas educativas.2
O fim da escravidão e de práticas análogas à escravidão é um princípio
reconhecido por toda a comunidade internacional. As duas convenções citadas são as que
receberam o maior número de ratificações por países membros dentre todas as convenções
da OIT.
Há medidas que vêm sendo tomadas na tentativa de atingir economicamente
quem se vale desse tipo de mão-de-obra, como ações movidas pelo Ministério
Público do Trabalho. Ações Civis por danos morais tem sido aceitas por juizes do
Trabalho com valores cada vez mais elevados.3
Um dos avanços em nível nacional nesse sentido foi a criação da CONAETE -
Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - organismo da Procuradoria
Geral do Trabalho, ligado ao Ministério Público do Trabalho, formado por 26 procuradores
do Ministério Público do Trabalho, com a função de investigar e aplicar as medidas
cabíveis necessárias em caso de suspeita ou comprovação de indícios de exposição de
trabalhadores a escravidão ou condições análogas à de escravo.
A questão, entretanto, ao menos do ponto de vista normativo, hoje em dia pode
ser considerada pacificada.
A Lei 10.803/03 ao alterar o artigo 149, do Decreto-Lei 2.848/40, o Código
Penal Brasileiro, dispôs o seguinte:
Art. 1º. O art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848. de 07 de dezembro de 1940, passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 149, Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o
fim de retê-lo no local de trabalho;
2 OIT, Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 17 jun.
2006.
3 O TRABALHO escravo e a legislação brasileira. Repórter Brasil. Disponível em:
. Acesso em: 03 abr.2007
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II - mantém vigilância ostensiva no local de
trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o
fim de retê-lo no local de trabalho;
§ 2° A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II – por meio de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.4
Verificando a nova redação do artigo 149, do Código Penal, observa-se que o
trabalho em condições análogas a de escravo deve ser considerado tipificação principal, do
qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são suas variações.
Com a lei 10.803/2003, o legislador recompôs o estado de direito transformando
em um tipo penal fechado o artigo 149 do Código Penal, para encerrar com um
entendimento bem específico, ou seja, com a vigência da lei, a redução da pessoa
a condição análoga à de escravo passa a exigir, de quatro, uma das seguintes
condutas ou modos de execução: 1 - sujeição da vítima a trabalhos forçados; 2 –
sujeição da vítima a jornada exaustiva; 3 – sujeição da vítima a condições
degradantes de trabalho; 4 – restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima
em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.5
Alguns escravos modernos ainda trabalham na zona rural, mas também
realizam trabalhos manuais em muitas indústrias, tanto na área urbana como na rural. Essas
formas modernas de escravidão são tão antigas quanto a tradicional (quando o escravo era
comprado e tornava-se uma propriedade). No caso do trabalhador urbano, destaca-se, neste
trabalho, a exploração dos imigrantes bolivianos em São Paulo, porém, os casos mais
graves ocorrem na zona rural.
Com isso pode-se encontrar fulcro na legislação brasileira para afirmar que as
situações pelas quais passam os bolivianos e até mesmo brasileiros, não são situações que
não fazem parte do posicionamento jurídico brasileiro no sentido de trazer para a população
uma certeza que o Estado tem compromisso com a erradicação do trabalho escravo, em
condições análogas de escravo ou em condições degradantes.
Processo HC 33716/SP;
HABEAS CORPUS 2004/0018842-4
Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111)
Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA
Data do Julgamento 25/05/2004
4______. Do crime de redução a condição análoga à de escravo, na redação da Lei nº 10.803/2003.
Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2007.
5 idem
Revista OAB
Data da Publicação/Fonte DJ 01.07.2004 p. 239
Ementa
CRIMINAL. HC. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
APELAÇÃO EM LIBERDADE. GRAVIDADE DO CRIME.
PERSONALIDADE VOLTADA PARA A PRÁTICA DE DELITOS.
FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA A CUSTÓDIA. RÉU SOLTO
DURANTE A “INSTRUÇÃO DO PROCESSO. IRRELEVÂNCIA.
NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DOSIMETRIA.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E
DENEGADA.
Hipótese em que o paciente foi condenado por manter dez pessoas em
condições análogas às de escravos, apoderando-se de seus documentos,
obrigando-as a realizar trabalhos imoderados, em extensa jornada, e
submetendo-as a péssimas condições de higiene, saúde, alimentação e moradia.
Não há ilegalidade na decisão monocrática que não reconheceu, em favor do
paciente, o benefício de apelar solto, bem como no acórdão confirmatório do
encarceramento, quando sobressai suficiente fundamentação.
A gravidade do crime praticado pelo sentenciado, em flagrante desencontro
com as intenções do Estado brasileiro, no sentido da erradicação do trabalho
escravo, e também a personalidade voltada para a prática deste delito, pois, nem
mesmo o início da ação judicial envolvendo os fatos praticados pelo réu
impediu que ele continuasse a aliciar outras pessoas da região, submetendo-as
às mesmas condições de trabalho das vítimas, mostram-se hábeis à manutenção
da custódia.
Aspectos suficientes para impedir a revogação da prisão como garantia da
ordem pública, extremamente abalada pelos delitos praticados pelo réu,
encontrando amparo no art. 312 do Código de Processo Penal.
O simples fato de o paciente ter permanecido solto durante a instrução criminal
não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciados, na ocasião em que
proferida a sentença condenatória, os requisitos da segregação preventiva.6
O presente caso é um habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, posteriormente denegado pela Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça que entendeu pelos crimes capitulados no Código Penal
Brasileiro, (art. 121 a 154) – Crimes contra a liberdade individual – Redução a condição
análoga de escravo (art. 149).
Consta nos autos que o paciente foi condenado a cumprir 9 (nove) anos de
reclusão, em regime fechado, porque incurso na sanção pertinente ao art. 149 e o art. 69 do
CP, ocasião em que foi decretada a prisão quando da prolação da sentença, apesar da defesa
6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Diário de Justiça. 01 jul. 2004. p. 239. Disponível em:
. Acesso em: 20 maio 2007.
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alegar bons antecedentes do acusado pleiteando a autorização para
aguardar o julgamento em liberdade, a Egrégia Corte a quo denegou a ordem.
Assim, foi pedido novamente ao Superior Tribunal de Justiça o direito de
aguardar em liberdade o julgamento definitivo do processo e de ver reduzida a pena
imposta ao paciente. Acordaram os Ministros, por unanimidade, o conhecimento em parte
do recurso e a denegação da sua ordem.
Ainda encontram-se entendimentos com relação ao tema abordado em outros
tribunais que lidaram e com certeza ainda lidarão com essa vergonha nacional que é a
subjugação de um ser humano por outro. É dito isso, por ser claro que a erradicação do
trabalho escravo em todas as suas formas, exigirá que o Judiciário exerça um papel
exemplar na condenação dos infratores nesta modalidade criminal, conforme atuação do
Ministério Público abaixo:
Acórdão
Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 10410
Processo: 1999.61.81.005614-5 UF: SP
Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da Decisão: 02/09/2003 Documento: TRF300074963
Fonte DJU DATA:02/10/2003 PÁGINA: 170
Outras Fontes RTRF 62/256.
Relator JUIZ JOHONSOM DI SALVO
Decisão - A Turma, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do
Ministério Público Federal, negou provimento à apelação de Daniel Jorge Ramos
Mamani e, de ofício, reduziu a pena imposta pelo crime do art. 149 do Código
Penal, reconhecendo, em seu favor, o concurso formal, nos termos do voto do
Relator, que lavrará o acórdão.
Ementa - PENAL - REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO -
CONDENAÇÃO, INCLUSIVE DO GERENTE DO LOCAL DO PLÁGIO -
CONCURSO FORMAL - RECONHECIMENTO DE OFÍCIO - INTRODUÇÃO
CLANDESTINA DE ESTRANGEIROS NO PAÍS ABSOLVIÇÃO POR
INEXISTÊNCIA DE PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO AFASTADA.7
A apelação de Daniel Jorge Ramos Mamani que foi condenado ao cumprimento
de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, pela prática do crime
descrito no art. 149 c/c art. 71, ambos do Código Penal, foi reduzida a pena posteriormente
para 3 (três) anos de reclusão, devido ao reconhecimento do concurso formal, por subtrair a
7BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). São Paulo. Disponível em:
. Acesso em: 25 abr. 2007.
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liberdade de 16 (dezesseis) pessoas, mantendo-as em regime de
servidão, não podendo subsistir a absolvição de Daniel Jorge Ramos Mamani da acusação
de infração ao crime de introdução clandestina de estrangeiros no país (art. 125, XII, da Lei
n 6.815/80) fundamentada na inexistência de prova sujeita ao contraditório, visto os
testemunhos das vítimas tomados na repartição policial, acompanhados e traduzidos por
agente consular da Bolívia, foram ratificados em juízo e corroborados pelos depoimentos
das testemunhas.
A apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento para condenar
René Willy Huanca Calle em co-participação pela prática, de 16 vezes em concurso formal
do crime definido no art. 149 do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de reclusão em
regime aberto. Sendo inviável a substituição da apenação por pena alternativa em relação a
acusação da infração do art. 125, XII, da Lei nº 6.815/80, na forma do art. 44 do Código
Penal, por considerar incompatível condenar alguém por haver concorrido na supressão da
liberdade de múltiplas pessoas e trocar a pena restritiva de liberdade por medidas mais
brandas.
Em síntese a apelação do Ministério Público Federal foi parcialmente provida e
o apelo de Daniel Jorge Ramos Mamani improvido.
A necessidade da erradicação do trabalho escravo urbano é fundamental para a
efetivação de políticas afirmativas de condições de vida digna, especialmente na área da
infância e da juventude como elementos importantes na construção de uma sociedade
estruturada na dignidade e nas garantias dos direitos humanos e trabalhistas. Não deixando
de lembrar que a legislação brasileira estabelece que o empresário é o responsável legal por
todas as relações trabalhistas do seu empreendimento.
Com isso o Ministério do Trabalho e Emprego teve a sensibilidade de criar um
sistema capaz de cadastrar os empregadores que se beneficiam das mais variadas formas de
exploração do trabalhador, por meio da portaria nº 540, o Ministério conseguiu impedir as
empresas utilizadoras dessa prática, de conseguir financiamentos e de negociar com o poder
público, bem como, auferir maiores lucros para o seu empreendimento com a exposição dos
empregados a condições degradantes no ambiente de trabalho. De forma que a sua
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aplicação pode ser tanto no meio rural onde sua ocorrência é
maior, como no meio urbano.
Em 15 de outubro de 2004, por meio da portaria nº 540 do Ministério do
Trabalho e Emprego foi criado o Cadastro de Empregadores – Lista Suja, que se
constitui em uma das mais importantes medidas implementadas. O Plano
Nacional previa a implementação dessa medida por meio de lei, no entanto o
Poder Executivo se antecipou e a iniciativa foi instituída por meio de Portaria
Ministerial. Ainda que não se tenha a segurança jurídica, temos o fato
concretamente colocado com suas conseqüências. A inclusão do nome do infrator
no Cadastro (Lista Suja) ocorre após o final do processo administrativo
decorrente dos Autos de Infração lavrados pelos Auditores Ficais do Trabalho. A
exclusão, por sua vez, vai depender do monitoramento do infrator durante dois
anos. Se durante esse período, não houver reincidência e forem pagas todas as
multas impostas pela fiscalização e quitados todos os débitos trabalhistas e
previdenciários, o nome será retirado.8
A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou por unanimidade, o projeto
de lei PLS 207/2006, que proíbe a contratação e a concessão de crédito a pessoas
ou empresas que tenham submetido pessoas a condições degradantes de trabalho
ou que tenham imposto grave restrição à liberdade individual de seus
empregados.
Essa proposta, de autoria da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), institui sob
forma de lei o já existente cadastro de empregadores que utilizaram mão-de-obra
escrava , conhecido como "lista suja". Nessa relação encontram-se propriedades
que comprovadamente utilizaram trabalho escravo. Para se transformar em lei, o
projeto precisa ainda passar por mais duas comissões e pelo plenário do Senado,
além de ser aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente da
República.
A principal diferença entre o que é aplicado hoje pelo governo federal e a
proposta aprovada pela comissão do Senado é que atualmente instituições
financeiras apenas recebem uma recomendação para não conceder crédito aos
listados no cadastro. O projeto de lei prevê uma proibição oficial, sendo que as
instituições que não cumprirem a lei estariam sujeitas a uma penalidade
equivalente a 40% do crédito concedido.
Para tipificar o que será considerado como condição degradante de trabalho,
enumeram-se seis itens no projeto de lei, que incluem maus tratos, condições
penosas de trabalho, retenção de documentos e descontos salariais não previstos
em lei. O projeto também tipifica a restrição à liberdade. Entre as ações que
definem a prática estão a utilização da cantina (que possibilita o endividamento
fraudulento do trabalhador por cobrança de preços de alimentação acima do
normal), aliciamento, ameaças e cerceamento do deslocamento do trabalhador.
Atualizada semestralmente, a lista conta hoje com 178 nomes de pessoas ou
empresas que foram condenadas em última instância em processo administrativo
no MTE por trabalho escravo. Tanto instituições públicas, como o Banco do
Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e o BNDES, quanto privadas,
8 ERRADICAÇÃO do trabalho escravo. PNUD Brasil. Disponível em:
. Acesso em:13 set. 2006.
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como o ABN Amro, Santander e Bradesco, não
emprestam recursos para os relacionados na lista suja.9
Apesar de ainda não ser lei, a portaria nº 540 do Ministério do Trabalho e
Emprego "lista suja" está em aplicação através de processo administrativo do próprio
Ministério do Trabalho e Emprego que espera sua votação para que além de transformação
em lei, também seja aprovada uma multa por trabalhador, incidindo em quem se beneficie
de trabalho degradante ou escravo, para que dessa forma não seja mais alvo de
questionamentos jurídicos acerca de sua validade.
E ainda para reforçar o combate ao trabalho escravo em suas diversas configurações, segundo a
CONAETE, está em votação a nova redação ao art. 1º da lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), conforme
o art. 5º, XLIII da CF, que dá outras providências. Estabelecendo como crime hediondo a redução à condição
análoga à de escravo.
3.1 A questão dos bolivianos no Brasil
A questão dos bolivianos explorados no Brasil pode ser analisada no município
de São Paulo, em função de sua maior ocorrência e concentrar o maior número de
bolivianos no país, seguido pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Corumbá, mas também
não impede que essa questão seja analisada em outras metrópoles brasileiras, bem como
diante da situação de brasileiros ou estrangeiros que não sejam bolivianos que também são
explorados por empresários estrangeiros ou até mesmo brasileiros em melhor situação
financeira.
Observa-se que é configurado o trabalho escravo urbano nos centros urbanos e
não nas zonas rurais como podemos constatar em relação aos trabalhadores rurais
escravizados.
9 TENÓRIO, Iberê. Aprovada em comissão do Senado lei que institui a “lista suja”. Repórter Brasil, 06 set.
2006. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2007.
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Reportagens recentes de periódicos paulistas
revelam que, no Município de São Paulo, bolivianos costumam ser
arregimentados para trabalhar em pequenas confecções das 6 às 23 horas ou das 7
às 24 horas, com remuneração entre R$ 200,00 e R$ 400,00 por mês (o último
valor dificilmente é alcançado), corresponde a algo entre R$ 0,50 e R$ 1,00 por
peça. Amiúde, porém, não há pagamentos certos; há casos documentados de
migrantes que recebiam apenas “vales” ao talante do empregador, ou seja, de vez
em quando. Eles são geralmente acomodados em cubículos de 2 m x 1,5 m, nos
próprios locais de trabalho, onde também ficam a sua família, a máquina de
costura e toda a roupa produzida, depois entregue a coreanos que têm lojas de
roupas a preços populares. A alimentação é parca e desbalanceada; raramente
consomem carne ou ovos. Isso ocorre notadamente nos bairros do Belém, Brás,
Canindé, Vila Maria, Bom Retiro, Moca, Pari, e até em Guarulhos (já fora do
município de São Paulo, mas na região metropolitana). Há estimativas de que
atualmente existam de 30 a 50 mil bolivianos irregulares em São Paulo
(oficialmente a Polícia Federal contabiliza 18.408 bolivianos na cidade) e muitos
preferem a clandestinidade, pois não vêem vantagens na regularização, inclusive
em função dos altos custos (cerca de R$ 200,00 em documentos).
Esses centros de trabalho em condições subumanas têm sido desbaratados pela
Polícia Federal (como ocorreu no dia 13/02/2003, em que sessenta bolivianos
foram libertados no Brás), mas essas intervenções não são bem-vistas pelas
vítimas, uma vez que os bolivianos resgatados, geralmente em situação irregular,
acabam sendo deportados do país. Na verdade, a denúncia dos clandestinos à
Polícia Federal acaba servindo como instrumento de coerção moral em favor dos
empregadores, com vistas a assegurar o controle e a fidelidade dos trabalhadores
a par da própria coerção física de que também se tem notícia.
São cerca de 18 mil oficinas de costura na Grande São Paulo, usualmente com
práticas semelhantes. Há casos de bolivianos que chegam a adquirir certa
capacidade financeira e adquirem suas próprias máquinas, reproduzindo o
processo socioeconômico de subjugação de seus próprios conterrâneos. Todas as
etapas desse ciclo vicioso são sustentadas por uma densa rede de interesses e
relações, que inclui a odiosa figura do “gato” (intermediador) não raro atuando
em território boliviano, onde são prometidos empregos a bons salários no Brasil e
anúncios em castelhano, nas praças públicas, na praça Kantuta, no Pari, onde há
uma feira de comida e artigos bolivianos, ou nos veículos que circulam à noite
nos arredores dos bairros onde esse tipo de trabalho tem maior incidência.
Também é comum que os bolivianos paguem pela intermediação do “gato” (US$
70 ou mais), uma vez que o sentimento comum é de que as deletérias condições
de trabalho no Brasil são ainda preferíveis ao desemprego ou às condições
salariais na Bolívia. É quando, paradoxalmente, o anseio por uma vida mais digna
solapa a dignidade da pessoa humana.
Há outros paradigmas de escravidão contemporânea na cidade de São Paulo. Os
próprios bolivianos também são cooptados para o trabalho na construção civil,
enquanto as bolivianas o são para o trabalho doméstico (as atividades de costura
absorvem cerca de 44% dos bolivianos ativos em São Paulo) ― em ambos os
casos, porém, sem garantias trabalhistas. Ademais, pode-se reconhecer, num corte
estatístico mais amplo, que são vitimizados por essas formas de trabalho
subumano não apenas os bolivianos, mas todos os imigrantes latino-americanos
em geral (o jornal britânico "The Guardian" fez recente menção a paraguaios e
peruanos, lado a lado com os bolivianos ― sendo certo que no Paraguai e no Peru
dá-se o mesmo processo de cooptação). Nada obstante, é certo que o caso dos
Revista OAB
bolivianos explorados por coreanos (ou, mais
recentemente, por outros bolivianos) é provavelmente o mais expressivo e
alarmante, a merecer a atenção imediata das autoridades públicas municipais, em
face das insidiosas violações de direitos humanos que se perpetram
diuturnamente nas pequenas confecções, nas lavanderias e em outros
estabelecimentos do gênero. De resto, também é indiscutível que toda e qualquer
medida institucional voltada à proteção dos direitos humanos dos trabalhadores
migrantes bolivianos pode e deve favorecer, direta ou indiretamente, os demais
migrantes latino-americanos em São Paulo.10
Dessa forma é preciso decompor o perfil dos latinos americanos cooptados, que
por sua vez, é muito parecido, no geral são jovens do sexo masculino de 18 a 25
anos solteiros de pouca qualificação que em sua maioria estão em situação ilegal
no país. Além disso não possuem as informações necessárias que os levariam a
reconhecer sua condição subumana ou a sua condição análoga a de escravo. E por
causa disso, abominam as ações dos policiais federais e do próprio Estado como
se fossem eles os seus principais agressores.11
Sua vinda ao Brasil não é fácil, geralmente sofrem a primeira agressão ainda no
seu país de origem, por serem explorados pelos “coiotes” que chegam a cobrar caro pelo
serviço de traslado dos imigrantes e pela fraca assistência no Brasil. E ainda sofrem com as
falsas promessas de emprego rentável e estudos pagos pelo Estado brasileiro, que de certa
forma é realidade, se for comparada com a sua situação no seu país de origem.
Em função de sua situação irregular no país, esse trabalhador acaba se
sujeitando às condições impostas pelo empregador, que geralmente são: carga horária de
trabalho exaustiva, baixo salário, alimentação parca, moradia inexistente (muitos moram no
próprio ambiente de trabalho). Além de entrarem em um círculo de exploradores, porque
quando chegam ao país, o primeiro emprego é geralmente em pequenas confecções
domésticas, lavanderias, tinturarias ou outras empresas do gênero, fechando o círculo de
exploração com as grandes empresas que contratam os serviços ou adquirem os produtos
fabricados nas pequenas empresas.
3.2 A atuação do Ministério Público do Trabalho e da CONAETE
10 FELICIANO, 2005, P. 17.
11 idem
Revista OAB
Com do advento da Constituição de 1988 o
Ministério Público do Trabalho adquiriu independência funcional e sua atuação como
fiscal da lei passou a ter uma forma mais efetiva como órgão agente, instaurando
inquéritos civis e propondo ações civis públicas, bem como outras ações, no âmbito da
Justiça do Trabalho, visando a defesa da ordem jurídica, dos direitos e interesses
sociais dos trabalhadores e dos indivíduos de uma forma geral.
Criada através da portaria nº 231, de 12 de setembro de 2002, a Coordenadoria
Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo - CONAETE - tem como missão
erradicar o trabalho análogo a condição de escravo e também coibir o trabalho
degradante, resguardando, pois, o direito à liberdade, à dignidade no trabalho,
bem como todas as garantias decorrentes da relação de emprego, tais como
carteira assinada, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, férias, décimoterceiro
salário. A coordenadoria tem uma coordenação nacional, além de
representantes em todas as procuradorias regionais do trabalho.
Grupos interinstitucionais móveis,
formados por membros do Ministério
Público do Trabalho e fiscais do
Ministério do Trabalho e Emprego -
MTE, deslocam-se às mais longínquas
regiões do Brasil para inibir a ação de
pessoas que submetem trabalhadores a
situações degradantes, bem como para
remediar a situação desses trabalhadores.
Detectadas as irregularidades, o
Ministério Público do Trabalho poderá
promover ações judiciais inibitórias e
ressarcitórias, a fim de que os
trabalhadores tenham seus direitos
respeitados.
Qualquer cidadão pode auxiliar no
combate ao trabalho escravo. Para isso, a
Procuradoria Regional do Trabalho da 13ª
Revista OAB
Região está a disposição
para o recebimento das denúncias, as
quais poderão ser encaminhadas também
para a coordenação nacional da
CONAETE na Procuradoria Geral do
Trabalho - PGT.12
O trabalho escravo moderno ou urbano pode ser caracterizado como aquele em
que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes e o impede de
desvincular-se de seu contrato.
A retenção de salários, a violência física e moral, a fraude, o aliciamento, o
sistema de acumulação de dívidas (principal instrumento de aprisionamento do
trabalhador), as jornadas excessivas de trabalho, a supressão da liberdade de ir e vir, o não
fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de atendimento médico, a
situação de adoecimento, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo
humano, entre outros, são elementos associados ao trabalho escravo urbano.
Esse assunto foi o tema principal do encontro nacional de procuradores do
trabalho realizado na cidade de São Paulo, em junho de 2006, a Coordenadoria Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo – CONAETE organismo da Procuradoria Geral do
Trabalho, resultado da parceria do Ministério Público do Trabalho e da Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT.
O encontro reuniu 26 procuradores do trabalho, onde foram discutidos os pontos
mais preocupantes no combate à exploração de trabalhadores e também os casos
de exploração de imigrantes ilegais que foram reduzidos a condições análogas de
escravos por confecções paulistas. No caso em questão, os fornecedores de
roupas para grandes lojas foram alertados da possibilidade de estarem comprando
roupas abaixo do preço de custo em função de trabalho degradante de imigrantes
em suas confecções. Com isso os representantes dessas lojas estiveram na
audiência realizada em São Paulo, onde grandes magazines foram citados por
terem sido encontradas suas etiquetas nessas confecções.
Para essa audiência foram chamados 80 fornecedores de um total de 200 que
mantêm relações com as empresas envolvidas, para que assinassem um TAC –
12 BRASIL. Procuradoria Regional do Trabalho (13. Região). Portaria nº 231, de setembro de 2002.
Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2007.
Revista OAB
Termo de Ajuste de Conduta, junto ao Ministério
Público do Trabalho, sob a acusação de terceirizar a atividade fim, ou seja,
quando uma grande empresa não supre a demanda, ela costuma contratar
pequenas empresas para auxiliar no atendimento a essa demanda, e assim, se essa
pequena empresa contratada não conseguir cumprir com o contrato, ela na
maioria das vezes, recorre à mão de obra exploradora clandestina, e é geralmente
nessa hora que se encontra etiquetas de grandes magazines em pequenas
confecções.
Os explorados na maioria bolivianos que trabalham em jornadas exaustivas, sem
infra-estrutura mínima das instalações, sem nenhum direito trabalhista
resguardado e na grande maioria dos casos, em situação irregular no país, não
lhes resta o menor interesse em procurar seus direitos, afinal, são ilegais e na
maioria das vezes, nem documentos possuem.
Para esclarecer mais detalhes a respeito das medidas que estão sendo tomadas
acerca do assunto, foi realizada uma entrevista com o Coordenador Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo - CONAETE, Dr. Luís Antônio Camargo,
durante a gravação do Programa do Ministério Público do Trabalho – Trabalho
Legal, no mês de junho de 2006.
O principal tema da entrevista foi a respeito do trabalho escravo urbano, onde
imigrantes bolivianos em São Paulo são explorados por confecções que não lhes
garante o trabalho digno, mas não só Bolivianos e sim outros estrangeiros e até
mesmos brasileiros em severas condições financeiras.
Durante a entrevista foram observados aspectos nessas contratações que
configuram a modalidade de exploração moderna, ou seja, trabalho escravo
urbano, de forma que os trabalhadores são expostos a condições degradantes de
trabalho, como retenção de documentos, proibição de deixar o local de trabalho,
descanso somente aos domingos, trabalhando em jornadas de até 18 horas
ininterruptas, não necessitando para essa configuração, as modalidades de maus
tratos como no passado. Na maioria dos casos foi observada uma extrema
degradação, fato mais complicado ainda por serem estrangeiros, que na maioria
dos casos estão no Brasil ilegalmente, devendo na aplicação da lei, serem
deportados. E para isso é necessário trabalhar em duas frentes, primeiro
regularizar essas pessoas no Brasil, segundo penalizar quem está explorando essa
mão de obra irregular.13
A atuação do Ministério Público do Trabalho resultou na condenação da
Telemar que terá de pagar uma indenização de R$ 1,5 milhão de reais, na segunda
condenação pelo mesmo motivo em um período de 2 anos, com isso ganhou um título de
reportagem: Falência da terceirização na Telemar.
A Telemar foi condenada pela Justiça do Trabalho de Cabo Frio a indenizar em R$
1,5 milhão a coletividade do trabalho, pela situação degradante que uma de suas
empresas terceirizadas impôs a 12 trabalhadores na cidade. Essa á a segunda
condenação contra a Telemar pelo mesmo motivo: manter trabalhadores em
condições análogas a de escravos.
13 CONAETE. Programa Trabalho Legal, Programa nº 36, Bolivianos, Produção da Procuradoria Geral do
Trabalho. Brasília, 2006. DVD (24 minutos), son, color.
Revista OAB
Os operários foram encontrados alojados em um
depósito de material para instalação de cabos telefônicos, em junho de 2004.
Vindos do Paraná, trazidos pela empresa Factel, não tinham a carteira de trabalho
assinada. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), havia desconto do
material usado no trabalho e de custos do alojamento, e a jornada era excessiva.
As provas demonstram que ocorreu a violação do sistema de proteção aos
trabalhadores ferindo, desnecessariamente, a dignidade humana, merecendo uma
resposta do Estado para coibir este tipo de procedimento. A terceirização desumana
deve ser combatida por toda a sociedade e repelida com veemência pelo Poder
Judiciário ainda mais quando há reincidência, diz o Juiz Manoel Alves de Santana,
da Vara do Trabalho de Cabo Frio.
Segundo Rodrigo Carelli, Procurador do Trabalho, a sentença mostra a falência do
processo de terceirização da Telemar, a justiça tem entendido que a companhia que
terceiriza tem responsabilidade pelo ambiente de trabalho do empregado.
Além da Telemar, a ETE Telecomunicações, prestadora de serviço da Telemar em
2004 que "quarteirizou" o serviço de cabeamento, foi condenada a pagar R$ 200
mil de indenização, assim como a empresa que trouxe os trabalhadores do Paraná, a
Factel.
A Telemar, em nota, diz que não feriu o direito dos trabalhadores e que fiscaliza
seus fornecedores: A companhia são reconhece os fatos narrados e vai recorrer em
instância superior. A empresa esclarece ainda que jamais houve condenação em
definitivo na Justiça do Trabalho contra ela a respeito de trabalho degradante. A
ETE diz que também vai recorrer e que a fiscalização do Ministério do Trabalho
constatou condições regulares nos alojamentos. Os responsáveis pela Fatcel não
foram encontrados.
A Telemar foi condenada em março de 2005 a pagar R$ 24 milhões de indenização
pela mesma situação. O MPT já ingressou com quatro ações civis públicas contra a
companhia pelo mesmo motivo. Duas já tiveram sentença em primeira instância
favorável ao MPT.14
Outro caso semelhante aconteceu no Rio de Janeiro em uma favela conhecida
por Catiri, onde trabalhadores de acordo com a reportagem seriam indenizados e ainda
teriam passagens de volta a sua cidade natal a Paraíba, tendo a matéria o título -
Trabalhadores serão indenizados por escravidão em favela carioca:
Cerca de 50 pessoas que foram submetidas a trabalho escravo no Rio de Janeiro
serão indenizadas amanhã e receberão passagens de volta para sua terra natal, a
Paraíba. Elas vendiam redes e eram mantidas em regime de escravidão na favela
do Catiri, zona oeste da capital carioca. Quatro tinham menos de 18 anos.
A quadrilha que as explorava foi descoberta após quatro meses de investigação.
O ponto de partida foi um telefonema ao Disque Denúncia do Trabalho, da
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), posteriormente encaminhada à
Delegacia Regional do Trabalho, Polícia Federal e Ministério Público do
Trabalho.
Segundo a Comissão de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social da
Alerj, os trabalhadores estavam alojados em galpões escuros e úmidos, sem
14 BRASIL Procuradoria Regional do Trabalho (23. Região). Telemar é condenada por trabalho degradante.
Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2007.
Revista OAB
condições mínimas de higiene. No local, foram
encontrados o dono da tecelagem de mantas e redes São José, Manoel Gomes
Xavier, e dois aliciadores de mão-de-obra escrava.
Os trabalhadores são oriundos da cidade de São Bento das Redes, no sertão da
Paraíba, e foram transportados até o Rio de Janeiro na caçamba fechada de um
caminhão durante três dias, junto com as redes que seriam vendidas.15
A situação é bastante complexa e não se pode reduzi-la ao resgate apenas dos
trabalhadores e ao pagamento de direitos trabalhistas. É preciso um esforço do Estado. Um
esforço coletivo das instituições governamentais, mas, sobretudo, da sociedade civil para
enfrentar este problema.
No auxilio ao combate à erradicação ao trabalho escravo e as suas mais diversas
formas, são parceiros da CONAETE e do Ministério Público do Trabalho, a Polícia
Federal, a Comissão Pastoral da Terra, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Justiça do
Trabalho (sendo considerada uma arma poderosa para efetivar a força na questão
legislativa), a OIT e diversos ramos do Ministério Público Federal.
A CONAETE espera respostas do governo especificamente do legislativo na
aprovação não só da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 438/2001 do
Trabalho Escravo, como também no Projeto de Lei do Deputado Vicentinho do
PT de São Paulo que é um projeto que rediscute o Art.149 do Código Penal que
tipifica o crime de condições análogas à de escravo, alterando com isso a lei do
trabalhador rural em uma questão fundamental, que é a rescisão direta do
trabalhador, por inexecução faltosa do empregador, com possíveis aplicações ao
caso do trabalho escravo urbano.16
3.3 A OIT e sua influência na erradicação do trabalho escravo
urbano
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 12,3 milhões de
pessoas no mundo sejam vítimas de trabalho forçado e degradante, sendo que
10,5% ou seja, 1,3 milhão estão na América Latina e no Caribe. A maior parte, no
15 TRABALHADORES serão indenizados por escravidão em favela carioca. Agência Brasil de Notícias.
Disponível em: .
Acesso em: 25 dez. 2006.
16 CONAETE. Programa Trabalho Legal, Programa nº 36, Bolivianos, Produção da Procuradoria Geral do
Trabalho. Brasília, 2006. DVD (24 minutos), son, color.
Revista OAB
entanto, está na Ásia: 9,5 milhões de pessoas. A
escravidão moderna não tem pessoas acorrentadas e açoitadas, mas retira os
direitos básicos de ir e vir e alimenta o tráfico humano, um negócio lucrativo. O
negócio gera um lucro ilegal estimado pela OIT (2006) em US$ 31,6 bilhões por
ano, a metade disso nos países industrializados.
Brasil é destaque – O Brasil é apontado no relatório da OIT como modelo a ser
seguido no combate ao trabalho escravo. Apesar de na maior parte das sociedades
os escravos modernos não despertarem o interesse dos governos por não serem
vistos como escravos contemporâneos, já há acordos e convenções internacionais
que tratam da escravidão contemporânea. O uso do termo trabalho análogo ao de
escravo em lugar de trabalho escravo não torna a questão mais clara. O trabalho
escravo, como modalidade de trabalho forçado, já foi suficientemente descrito
nas convenções internacionais, principalmente a Convenção nº 29, a Convenção
Suplementar de 1956 e a Convenção nº 105, todas da OIT. Os termos trabalho
escravo e modernas formas de escravidão são correntemente usados pela
comunidade internacional e pelas organizações internacionais de que o Brasil faz
parte.17
A OIT não só elogia como reconhece os avanços que o Brasil conseguiu no
combate ao trabalho escravo. O Brasil foi a primeira nação latino americana a
reconhecer a existência do trabalho escravo e a adotar mecanismos
interministeriais para combater esse tipo de crime. Sendo recomendado pela OIT
o aperfeiçoamento da ação conjunta entre Executivo e Judiciário para garantir a
punição dos exploradores e exigir a compensação às vítimas, além da adoção de
programas sociais de reinserção dos trabalhadores resgatados da escravidão.
Embora já esteja assimilada no Brasil a existência de trabalho escravo nas regiões
Norte e Nordeste especialmente nos estados de Pará, Tocantins e Maranhão, a
OIT tem recebido cada vez mais denúncias sobre outro tipo de aberração: o
trabalho forçado de imigrantes, como bolivianos e paraguaios, que vêm ao país
devido à maior oferta de empregos em estados como São Paulo.
Agentes do Ministério do Trabalho fizeram ontem uma operação no Rio e
encontraram cerca de 50 trabalhadores paraibanos em regime de escravidão na
Favela do Catiri, em Bangu. Eles revendiam redes produzidas na fábrica Vitória
de Tecelagem, na cidade de São Bento da Paraíba, a 400 quilômetros de João
Pessoa.18
As normas que foram ratificadas pelo Brasil, conseqüentemente estão
incorporadas no ordenamento jurídico nacional, com isso fica claro o interesse do Estado
brasileiro em relação à matéria, inclusive afirmando a competência da Justiça Federal para
julgar a mesma. Mesmo que haja dúvidas a respeito da competência para julgar a matéria,
pode-se analisar a questão no sentido de ser obrigação da nação o combate desse crime
contra os direitos do ser humano.
17 OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2007.
18 OIT elogia esforço para conter trabalho escravo. Jornal o Globo, 19 set. 2006. Disponível em:
. Acesso em: 19 jan. 2007.
Revista OAB
A escravidão urbana pode parecer com a rural, mas é
diferente e exige interação dos órgãos responsáveis pelo seu combate, para que não tire a
dignidade do ser humano, a escravidão urbana não faz distinção se a pessoa é brasileira,
estrangeira, negro, amarelo ou branco. Os escravos são meios de produção, miseráveis, sem
distinção de cor ou credo.
O trabalho escravo urbano não possui as mesmas dimensões do rural, e esse
problema já chegou a cidade. A Polícia Federal, as Delegacias Regionais do Trabalho, o
Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal já agem sobre o problema.
Vale lembrar que a escravidão urbana é de outra espécie e possui características
de natureza particular. Portanto, pede instrumentos com formas específicas para combatêla,
e não adaptações do que já foi alcançado e colocado em prática na zona rural, até porque
cada caso é um caso a ser analisado de forma peculiar, mas em todos os casos nota-se a
subjugação do ser humano e a exploração das ínfimas condições econômicas do indivíduo.
4 Propostas de ações para erradicação do trabalho
escravo urbano
Primeiramente deve ser entendido que o trabalhador que deixa suas raízes
criadas em seu país de origem, deve estar repleto de sonhos com esse passo dado em busca
de melhores condições de vida. Por causa disso, ele não se deixa abater com as situações
desconfortáveis que poderá encontrar no país ou estado escolhido para construir sua nova
vida, e é nessa hora que ele se submete a condições que não são dignas a um ser humano
que busca uma vida harmoniosa merecida a todo homem de bem.
Com isso deveria o Estado brasileiro alertar o trabalhador migrante sobre as
reais condições de vida no estado ou país pretendido, a real possibilidade de encontrar pela
frente problemas como a escravidão urbana, a sujeição a condições subumanas de trabalho,
Revista OAB
além de ter eventuais problemas com órgãos fiscalizadores de sua
condição ilegal de estrangeiro.
Em relação a atuação do governo, deveria haver maior celeridade processual
nestes casos, ou seja, libertação das vítimas e a devida indenização pelas jornadas
trabalhadas, a inscrição do nome do infrator na lista suja do Ministério do Trabalho e
Emprego, além de ser necessário uma maior interação e estrutura física dos órgãos atuantes
no combate ao problema. Analisado o problema também, do ponto de vista que qualquer
pessoa pode participar tanto da prisão em flagrante do infrator, bem como da denúncia da
prática desse delito (art. 301 do CPP).19
É necessário que se crie uma segurança jurídica em relação à matéria, através de
julgamentos claros sem obscuridades e sem cederem a pressões de empresários ou grandes
grupos empresariais. Buscando empenho nas investigações e na configuração e aplicação
das penas referentes ao crime. A criminalidade nesses casos é cada vez mais moderna e se
atualiza até mesmo diante das modificações da lei, só com o trabalho célere e conjunto dos
órgãos empenhados em defender os interesses da coletividade que esse crime poderá ser
erradicado.
Sendo certo que a única forma de erradicar o trabalho escravo é ter em mente a
proteção das vítimas, através da prevenção de situações que levem a ocorrência da
exploração humana, e essa prevenção pode ser iniciada com programes de redução à
pobreza, com uma combinação de prevenção, identificação, repressão e reintegração à
sociedade dos libertados, com condição financeira e instrução suficiente acerca dos seus
direitos, sendo uma diretriz aplicável a qualquer país que queira se ver livre desse
problema.
Também não deveria ser permitido que os órgãos envolvidos na questão dos
migrantes fossem vistos como repressores, e sim, como órgãos que possibilitariam a sua
dignidade como pessoa humana à vista de seus direitos trabalhistas e a luz dos acordos com
o MERCOSUL diante da legislação correlata a respeito de sua legalização no país.
19 BRASIL. Código Penal. 3. Ed. São Paulo: Rideel, 2006.
Revista OAB
Por sua vez, orientando o migrante a procurar as
autoridades constituídas no país, como o Ministério Público do Trabalho, Ministério
Público Federal, Ministério Público Estadual, Delegacias Regionais do Trabalho, Polícia
Federal, Polícia Civil, Polícia Militar em caso de suspeita ou de redução a condições
subumanas ou análogas à de escravo, para que dessa forma pudesse ser feita a justiça social
e também pudesse ser dado o exemplo para outros países que também lutam a favor da
erradicação do trabalho escravo em todas as suas formas de ocorrência.
5 Considerações finais
O trabalho apresentado tem como objetivo trazer informação a respeito do
trabalho escravo urbano e de sua prevenção para que não ocorra o aliciamento de pessoas
em todas as suas faixas etárias e níveis sociais, sem distinção de qualquer natureza, por
meio da inserção do tema trabalho escravo urbano, no dia-dia dessas pessoas, trazendo
assim, maiores esclarecimentos sobre direito do trabalho, meio ambiente e cidadania, e a
possível criação de redes sociais para preparar a introdução de projetos de geração de
empregos e renda, de forma garantida pela legislação pátria.
O grande destaque dado a essa pesquisa é que pela primeira vez em anos, o
tema começa a ter relevância na agenda nacional e no crescente compromisso do Estado
brasileiro em combater a escravidão. Não só no meio rural como também no meio urbano.
Tendo a expressão trabalho escravo urbano, um certo desconhecimento por parte da
população brasileira que não se acostumou com a idéia de trabalho urbano com condições
análogas de escravo, justamente por não se darem conta que estão sendo escravizados. O
principal objetivo é suscitar o debate sobre o papel do Estado e suas principais instituições
na repressão de um crime, uma grave violação dos direitos humanos, que ainda assola o
nosso país, apesar de passados 119 anos da assinatura da lei Áurea.
Revista OAB
Foram criados grupos específicos na Ordem dos
Advogados do Brasil, no Ministério Público Federal e no Ministério Público do Trabalho
para lidar exclusivamente com o assunto. Decisões inovadoras tanto no âmbito do Poder
Executivo como no Poder Judiciário poderão garantir um novo modelo de combate ao
trabalho escravo em suas mais diversas modalidades.
Graças ao trabalho da imprensa e dos órgãos engajados na luta contra a
exploração do ser humano, o problema ganhou dimensão nacional e passou a fazer parte
dos debates da opinião pública. O que envergonha o país é a ganância dos empregadores
em obter cada vez mais lucros às custas do sofrimento alheio e também as denúncias que
trazem em seu bojo a existência de trabalho escravo urbano cada vez mais próximo de
quem vive na cidade. Na realidade, quem deve se sentir envergonhado é o empregador que
possui trabalhadores escravos ou em condições análogas de escravo, independente do local.
Na verdade, durante muito tempo o Estado esteve ausente na vida dos mais
fracos que não tinham garantias de seus direitos e de cidadania. Agora, o Estado tem a
oportunidade de corrigir sua omissão e as fiscalizações no combate do trabalho escravo e
do trabalho em condições análogas de escravo, são exemplos que o Estado não está mais se
omitindo em relação ao problema.
Se alguma nação não adotar condições humanas de trabalho que são determinadas através de
leis, acordos internacionais e toda legislação correlata, esta omissão constitui um obstáculo aos esforços de
outras nações que desejam melhorar as condições de vida dos trabalhadores em seus próprios países.
Basta que para isso, passem a operar sem a margem de lucro exorbitante conseguida com a
utilização da mão-de-obra escrava urbana. Dessa forma, entrariam no jogo da competição de mercado, de
igual para igual, sem disputar o mercado de forma ilegal em relação aos seus concorrentes que não se
sujeitaram às tentações que o lucro da ilegalidade oferece.

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