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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

monografia : INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO

TÍTULO: INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO
Aluno: Amanda Idalina Menezes Cordeiro
Orientador: Frederico do Valle
Resumo
Este trabalho é fruto de uma pesquisa doutrinária a respeito da jurisdição nas
indenizações por abandono moral.
Tem o objetivo de elucidar os possíveis danos que ocorre na vida de um (a)
filho (a) emocionalmente abalado pelo abandono afetivo e que possam ser
ocasionados na jurisprudência.
Palavras-chave: Abandono Moral. Problemas. Conflitos. Descumprimento.
Responsabilidade. Guarda. Jurisdição.
Introdução
O Judiciário, recentemente, vem se manifestando sobre a questão do
abandono moral, tendo surgido algumas decisões condenando pais que,
independentemente de terem se desincumbido do ônus alimentar, faltaram com o dever
de assistência moral aos seus filhos na exata medida em que se fizeram ausentes e, por
via de conseqüência, não prestaram a devida assistência afetiva e amorosa durante o
desenvolvimento da criança.
Tem-se tratado muito comumente na doutrina e na prática forense do
descumprimento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos. Inclusive, é
esta uma das duas hipóteses de prisão civil admitidas no direito pátrio constitucional
(art. 5, inciso LXVII, da CF/88). Porém, o que se busca com o presente artigo é a
análise do descumprimento do dever de “convivência familiar” e suas conseqüências
jurídicas, e não a obrigação do “sustento” dos filhos.
Inicialmente se faz necessário conceituar o que se entende por convivência, e
especialmente, por convivência familiar.
Centro de Ensino Superior de Brasília – CESB
Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB
Bacharelado em Ciências Jurídicas
O dicionário Aurélio registra que convivência “é o ato ou efeito de conviver;
familiaridade; relações íntimas; trato diário”1. Já a definição de conviver é “viver em
comum; ter familiaridade, convivência”2.
A partir daí pode-se concluir que a convivência ou o ato de conviver, na
maioria das vezes, está intimamente ligada às relações e vínculos familiares. O capítulo
III do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) trata do
direito à convivência familiar e comunitária, composto de dispositivos que visam
colocar a criança ou adolescente inserido no seio de uma família. É texto do artigo 19,
in verbis:
Art 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
O abandono moral é uma questão polêmica e controvertida, razão pela qual é
preciso cautela e prudência para se analisar cada caso concreto. Não se pode esquecer
que as separações de casais, no mais das vezes, se processam em um clima de ódio e
vingança. Nessas circunstâncias, a experiência cotidiana tem demonstrado que aquele
que fica com a guarda isolada da criança geralmente cria óbices e dificuldades para que
o pai, ou a mãe, que não detém a guarda, não tenha acesso à criança. Comumente são
transferidos à criança os sentimentos de ódio e vingança daquele que detém a sua
guarda, de tal sorte que, em muitos casos, é o próprio menor que passa a não querer ver
a mãe ou o pai, supostamente responsável pelas mazelas que a outra parte incute em sua
cabeça.
Diante dessas razões, recomenda-se cuidado na análise de procedência de
pedido de indenização por dano moral com fundamento no abandono moral, porquanto
não se pode transformar o Judiciário em um instrumento tão-somente de vingança
pessoal, disfarçado sob o manto da necessidade de punir a falta de assistência moral à
criança.
Como adverte a professora Teresa Ancona Lopez, (2004, p.14), é preciso
cuidado para não transformar as relações familiares em relações argentárias, de tal sorte
que dependendo de cada caso concreto, o juiz deverá ser sábio na aplicação do direito
em face de postulações a esse título. Diz mais: "é preciso avaliar como a pessoa
1 FERREIRA; Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. São
Paulo: Civilização Brasileira, 1964, p. 325.
2 Idem
2
elaborou a indiferença paterna. Acredito que só quando ficar constatado em perícia
judicial que o projeto de vida daquele filho foi trocado pelo abandono, configurando o
dano psicológico, é que cabe indenização". Em conclusão, alerta para o fato de que "é
muito comum as mães jogarem os filhos contra os pais, quando o certo seria tentar
preservar a imagem paterna"3 (Jornal do Advogado – OAB/SP – n° 289, dez/2004, p.
14).
O professor Álvaro Villaça Azevedo considera que "o descaso entre pais e
filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa
atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de
amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever
de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença"4 (Jornal do
Advogado – OAB/SP – n° 289, dez/2004, p. 14).
1. Histórico da Filiação
Criou-se, a distinção entre pais e mães biológicos (os que colaboraram com
material genético para a geração do filho) e pais e mães por opção afetiva (aqueles que,
não tendo condições genéticas de reprodução, utilizaram-se do auxílio de terceiros, mas
assumiram as responsabilidades pela criação da criança assim gerada).
Define-se a filiação como um fenômeno excepcionalmente complexo, com
características biológicas e fisiológicas, além de pertencer ao mundo físico e ao mundo
moral, por englobar simultaneamente o fato concreto da procriação e uma relação de
direito.
1.1. Breve Análise de alguns Aspectos do Direito de Família Ligados à
Filiação.
Quando o assunto se trata de filhos menores, é dever dos pais zelar pela sua
assistência, criação e educação e, inversamente, os filhos maiores têm o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice (Constituição Federal, artigo 229), obrigações essas
também disciplinadas, respectivamente, pelas normas do parágrafo único do artigo 399
3 LOPEZ, Teresa Ancona. Jornal do Advogado. São Paulo: OAB, n° 289, 2004, p.14.
4 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Jornal do Advogado. São Paulo: OAB, n° 289, 2004, p.14.
3
do Código Civil de 1917 (correspondente ao artigo 1.696 do novo Código Civil), com a
redação que lhe foi dada pela Lei 8.648/93, e artigo 22 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Estabelecida uma relação paterno-filial, aos pais também incumbe o pátrio
poder sobre os filhos menores, o qual será exercido em igualdade de condições.
Contudo, pode acontecer que o reconhecimento dessa relação, no que ao pai,
ocorra mediante decisão judicial, contrariamente à sua vontade, pois não desejava ele
assumir essa condição; em casos assim, a criança, se já estava sob pátrio poder da mãe,
continua nessa situação, devendo o pai pagar-lhe alimentos e, em contrapartida, assistelhe
o direito de ver estabelecido em horário de visita.
Na maioria dos casos em que o pai ausente e desinteressado da sorte do filho
que gerou, reconhece, tardiamente, essa sua condição de pai, isso se dá um intuito
revanchista, em regra porque ficou sabendo que a mãe tem um novo companheiro, que
está assumindo o papel de pai dessa criança.
O interesse maior da criança sempre deve ser resguardado. Defende o autor
Eduardo de Oliveira Leite que eventual direito de visita deve ser atribuído com grande
cautela e acompanhamento psicológico, para que não se façam prevalecer os interesses
egoístas desse pai ausente5.
Outra conseqüência que o estabelecimento desse tipo de relação acarreta aos
pais, correlato ao dever de guarda dos filhos menores, refere-se à responsabilidade civil
pelos atos por esses praticados, nos termos do artigo 1.521, inciso I, do Código Civil de
1917 (correspondente ao artigo 932, inciso I do novo Código Civil).
Trata-se de uma presunção de responsabilidade estritamente vinculada ao
direito de guarda exercido sobre um filho menor, na hipótese de que essa venha a
acarretar danos a terceiros, agindo de forma dolosa ou culposa.
Pelo menos um terço das pessoas que se casaram separaram-se e muitas
constituíram até mesmo outra família. Por essa razão, a Constituição da República, em
seu artigo 229 (e artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente), institui de forma
incisiva o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores.
2. Poder Familiar
5 LEITE, Eduardo de Oliveira, Famílias monoparentais. 2ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2003, p.237-239.
4
A expressão “poder familiar” é nova. Corresponde ao que antes era chamado
de pátrio poder, termo que remonta ao direito romano: pater potestas – direito absoluto
e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.
O poder familiar decorre tanto da paternidade natural, como da filiação legal
e é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível. As obrigações que dele
fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos e, tampouco,
vendê-los, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos
ou alienados. É crime entregar filho a pessoa inidônea. Nula é a renúncia ao poder
familiar, sendo possível somente delegar a terceiros o seu exercício, preferencialmente,
a um membro da família. O princípio da proteção integral de crianças e adolescentes
acabou por emprestar uma nova configuração ao poder familiar, tanto que o
inadimplemento dos deveres a ele inerentes, tutela ou guarda, configura infração
susceptível à pena de multa. Todos os filhos, do zero aos 18 anos, estão sujeitos ao
poder familiar, que é exercido pelos pais. Não é a verdade biológica, mas a verdade
psicológica que lhes assegura a autoridade.
Quando o filho está sob a guarda de somente um dos pais, restando ao outro
apenas o direito de visita, permanecem intactos tanto o poder familiar, como a guarda
jurídica, pois persiste o direito de fiscalizar sua manutenção e educação. A guarda
absorve apenas alguns aspectos do poder familiar6. A falta de convivência sob o mesmo
teto não limita e nem exclui o poder-dever, que permanece íntegro, exceto quanto ao
direito de ter os filhos em sua companhia. Não ocorre limitação à titularidade do
encargo, apenas restrição ao seu exercício, que dispõe de graduação de intensidade.
Como o poder familiar é um complexo de direitos e deveres, a convivência dos pais não
é requisito para a sua titularidade. Quando for deferida a guarda de um menor a
terceiros, ou estiver ele em família substituta, o guardião passa a exercer algumas
prerrogativas do poder familiar, o que, no entanto, não extingue o direito dos pais.
2.1. A Proteção da Criança ou Adolescente quanto à Convivência
Familiar.
6 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de família. São Paulo: Atlas, 2000, p. 371.
5
O referido artigo na primeira parte dispõe que “toda criança ou adolescente
tem direito a ser criado e educado no seio de sua família”. Já o artigo 25 do ECA
conceitua o que vem a ser família na natural in verbis:
Art 25 – Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendente.
Quando se refere à comunidade não se fala em casamento, então basta que
haja uma convivência entre pais e filhos, não se faz mais distinção entre família legítima
e família ilegítima, apesar desta já não existir mais, pois a união estável é reconhecida
como uma entidade familiar7. Cláudia Maria da Silva, no artigo publicado na Revista
Brasileira de Direito de Família, Descumprimento do Dever de Convivência Familiar e
Indenização por Danos á Personalidade do Filho, aduz que:
A crucial importância do exame dos fundamentos das relações e dos
vínculos familiares radica na circunstância de que é no seio deste grupo que
o indivíduo nasce e se desenvolve, moldando sua personalidade ao mesmo
tempo em que se integra ao meio social. Durante toda a sua vida, é na
família que o individuo encontra conforto e refúgio para sua convivência 8.
Oportuna a definição de pessoa normal para a Psicologia, “pessoa normal é
aquela que se relaciona satisfatoriamente consigo e com os outros”9.
É o indivíduo equilibrado que se quer formar para o bom convívio com ele
mesmo e com a sociedade, através dos ditames legais. O direito à convivência, está
buscando o pleno desenvolvimento da personalidade da pessoa humana. Aquela criança
ou adolescente que tiver sido privado desse convívio familiar, muitas vezes irão
apresentar desvios de personalidade gerando dificuldades de relacionamento, quando
não são encontrados, muitas vezes, ocupando o banco dos réus nos tribunais.
A convivência, consigo e com os outros pode ficar comprometida. Não se
apresenta de forma satisfatória, onde lhe traz frustrações, das mais amenas às mais
violentas, além de atitudes inadequadas no relacionamento social.
É na família que se dá os primeiros passos para um desenvolvimento
emocional equilibrado. A família exerce uma poderosa influência sobre os seus
membros. É a fonte da qual se originam resistências emocionais como frustração e
outras experiências emocionais 10 .
7 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 25.
8 Revista Brasileira de Direito de Família. nº 03, ano I, São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 122.
9 CALLUF, Emir. Psicologia da personalidade. São Paulo: Nacional, 1964, p. 17.
10 SAWREY, James M., TELFORD, Charles W. Psicologia Educacional. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p.
374.
6
São inúmeras as situações no seio familiar que podem levar aos distúrbios
de personalidade da criança: brigas constantes entre pais, disciplina severa ou
demasiadamente exigente, lares desfeitos e o próprio abandono afetivo dos pais, dentre
outras. Enfim, “viver com”, “conviver”, não significa uma mera justaposição espacial
ou distribuição racional de tarefas, é muito conhecido o fenômeno desumano da
multidão solitária ou formigueiro de gente. Conviver, trata-se de uma presença obtida
sempre que se comunica em plano pessoal, que é basicamente afetivo, enriquecido com
uma convivência mútua. “Alimentar o corpo sim, mas também cuidar da alma, da
moral, do psíquico. Estas são as prerrogativas do poder familiar e principalmente da
delegação divina do amparo aos filhos”11.
O artigo 4º caput do ECA assegura também o direito à convivência familiar
à criança e ao adolescente, quando determina que é dever da família garantir,
prioritariamente, “a efetivação dos direitos referentes à dignidade, ao respeito, á
liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Roberto João Elias in Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,
ao analisar o referido artigo, indica que a raiz dos problemas dos menores está na
família e, todos devem empreender esforços para que esta família seja fortalecida 12.
Não é inoportuno lembrar que quando se fala em família não está presente
obrigatoriamente aquela constituída pelo casamento, basta que exista uma comunidade
onde convivem os pais ou qualquer um deles com os descendentes.
Cláudia Maria da Silva cita que a eminente doutrinadora Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka (in Família e Casamento em Evolução), muito sabiamente
escreve como deve ser esta convivência familiar quando diz que “o que importa é
pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar
sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu
projeto de felicidade.”13
Não restam dúvidas à respeito da importância do convívio familiar da
criança ou adolescente com os pais, preferencialmente em um lar harmonioso, para o
desenvolvimento de sua personalidade. Da mesma forma, também vastamente presente
no ordenamento jurídico brasileiro sua garantia. Quando da inexistência desta
11 SILVA, Cláudia Maria. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à
personalidade do filho. Revista Brasileira de Direito de Família. São Paulo: Abril Cultural, 2000, p. 123
12 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 6.
13 SILVA, Claúdia Maria, op. cit., p. 7.
7
convivência familiar causada pela constante ausência, daquele pai ou mãe que não
detém a guarda do filho, no caso de separação do casal, e que se compromete além dos
alimentos a também fazer visitas periódicas ao mesmo e deixa de fazê-lo. Deixar de
depositar ou entregar o valor da pensão alimentícia, como dito inicialmente, é uma das
duas únicas hipóteses de prisão civil, pelo preceito constitucional brasileiro. E quando
aquele pai ou mãe deixa de visitar o filho, deixando de entregar afeto, carinho, o que o
ordenamento jurídico prevê atualmente?
A resposta a estas questões não são claramente evidenciadas na legislação
brasileira. Quando o Código Penal dispõe sobre o abandono de incapaz se refere à falta
de proteção a esse incapaz, expondo-o a riscos, em seu artigo 133. Este abandono é
diferente daquele que quer se tratar.
2.2. Descumprimento do dever de Convivência
Abandono é “ato ou efeito de abandonar; desamparo; desprezo”14. O
Dicionário Jurídico não dispõe sobre este tipo de abandono que mais se aproxima ao
desprezo. Traz a definição de vários tipos de abandono como: o abandono do lar,
quando se afasta sem a intenção de voltar; o abandono de incapaz, se referindo ao
contido no artigo 133 do Código Penal, dentre outros 15.
O filho que é desprezado pelo genitor que não detém a sua guarda, pode ter
distúrbios de personalidade irreversíveis. A convivência, mesmo que não freqüente, dos
genitores com os filhos significa respeito ao seu direito de personalidade e de um
desenvolvimento normal, é garantir-lhe a dignidade da pessoa humana.
Quando ocorre normalmente a separação de um casal com filhos, é acordado
um valor a ser pago à título de pensão alimentícia e a programação de visitas as quais
têm direito aquele que não deteve a guarda dos mesmos.
Este direito a visitas encontra-se garantido pelo disposto no artigo 1.589 do Código
Civil, in verbis:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá
visita - los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro
cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e
educação.
14 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op. cit., p. 2.
15 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 2-4.
8
Ao se analisar o referido artigo, pode-se chegar à conclusão de que as visitas
dos pais aos filhos, têm o intuito de suprir a necessidade dos pais, primordialmente,
tanto é que a lei faculta aos pais a visita quando indica que “poderá visitá-los”, daí não
existir sanções típicas aplicáveis àqueles que descumprem as condições impostas ao
direito de visitas.
Deveria ser um “dever” e não uma faculdade dos pais em cumprir a
determinação de visitas aos filhos com conseqüente sanção àqueles que a
descumprissem.
O princípio da dignidade humana é preceito constitucional disposto no artigo
1º, inciso III da Constituição Federal Brasileira. A palavra dignidade vem do latim
dignitas que significa honra, virtude ou consideração 16. Daí se entender que dignidade é
uma qualidade moral inata e é a base do respeito que lhe é devido. De fato, conceituar
dignidade da pessoa humana não é tarefa das mais fáceis, pois sempre há influência do
momento histórico vivido. É necessário evitar a conceituação da dignidade da pessoa
humana, levando em conta aquilo que se valoriza como bom ou ruim.
Em suma, tem-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é de
importância ímpar, pois repercute sobre todo o ordenamento jurídico. É um
mandamento nuclear do sistema, que irradia efeitos sobre praticamente todas as outras
normas e princípios. A tutela de direitos pressupõe que seja respeitada a dignidade do
homem. Não adianta adotar um ordenamento jurídico avançado se o personagem
principal é deixado à sua própria sorte. A preocupação do legislador constituinte foi a de
que o Estado proporcionasse condições para que todos tivessem o direito de ter uma
existência digna e respeitosa.
3. Abandono Moral – Fundamentos da Responsabilidade Civil
Tem chamado bastante atenção ultimamente, a vertente da relação paternofilial
em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas
16 SILVA, De Plácido, op. cit., p. 458.
9
essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que
pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente
quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a
referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da
personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a
honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é
profundamente grave.
3.1. A Responsabilidade Civil dos Pais
A convivência saudável entre pais e filhos não se esgota com a manutenção
dos filhos quanto a aspectos materiais provendo-os de alimentos, educação e guarda. É
muito mais que isso para o desenvolvimento de sua personalidade.
A família deixou de ser entendida como uma relação apenas de poder onde
os pais são responsáveis pela “criação” dos filhos. Hoje em dia a família é entendida
como uma comunidade afetiva onde o carinho, a atenção e o respeito com os filhos
fazem parte importante e imprescindível deste contexto.
A garantia desta convivência está determinada no artigo 227 da Constituição
Federal de 1988, que além de dispor sobre o dever da família, da sociedade e do Estado
em assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento da criança e do
adolescente, também trata, em sua parte final, sobre o dever de colocá-las “a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”
(Art. 227 da Constituição Federal).
Atos ou omissões voluntárias ou negligentes ou ainda imprudentes que
causem dano a alguém são passíveis de penalização do agente através de condenação ao
pagamento de indenizações pecuniárias ou a reparação do dano causado. Dispõe o
ordenamento jurídico brasileiro que aquele que violar direito ou causar dano a alguém,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, conforme disposição do artigo 186
do Novo Código Civil, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
.
10
A análise deste artigo evidencia que quatro são os elementos essenciais da
responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, violar direito ou
causar prejuízo a outrem.
Já o artigo 927 do mesmo diploma legal dispõe que o dano causado a alguém
por cometimento de ato Ilícito deve ser reparado, in verbis:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, (art, 186 e 187) causar danos a
outrem,fica obrigado a repará-lo.
O ato ilícito que impede desenvolvimento pleno da personalidade da pessoa
humana quando causado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
por analogia se enquadra no disposto no artigo 186 do Código Civil e deve ser reparado,
ainda que esse dano seja, exclusivamente moral, por força do artigo 927 também do
Código Civil.
Sílvio de Salvo Venosa indica que : “Dano moral é o prejuízo que afeta o
ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima”17. e completa: “será moral o dano que
ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de
comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinada a
cada caso”18.
Maria Helena Diniz define dano moral como “lesão de interesses não
patrimoniais de pessoa física ou jurídica (CC, art. 52, súmula 227 do STF), provocado
pelo fato lesivo”19.
No sistema da responsabilidade subjetiva, deve haver nexo de causalidade
entre o dano indenizável e o ato ilícito praticado pelo agente. Só responde, em princípio,
aquele que lhe der causa, provada a culpa do agente.
O pai que deixa de garantir ao filho a convivência familiar em função de sua
omissão em relação às visitas ao mesmo gerando um vazio no seu desenvolvimento
sócio-afetivo, moral e psicológico, direito garantido a ele pela legislação pátria, deverá,
por conseqüência ser obrigado a reparar este dano ainda que seja exclusivamente moral.
Esta indenização pecuniária, contudo, não visa reparar o dano, que de certa
forma, em muitos casos se torna irreparável, mas desestimular outros pais a cometer
atos ilícitos que possam vir a causar dano a seus filhos, como o abandono afetivo.
17 VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., p. 33.
18 Idem , Ibidem, p. 34.
19 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995, vol. 2, p. 91
11
Ações requerendo indenização por dano moral aos filhos ainda são raras em
nossos tribunais. Vê-se, com muito maior freqüência, o pedido de alimentos. Porém,
alguns julgados desta natureza começam a aparecer:
Um exemplo de julgado que retrata os argumentos trazidos no presente
trabalho é o Processo n.º 141/1030012032-0, da Comarca de Capão da Canoa do Rio
Grande do Sul .
Na sentença o Juiz Mario Romano Maggioni indica com muita propriedade
que:
A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a
convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol,
brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a
criança se autoafirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da
presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a
rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento
violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e
ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e
carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte se a
inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais pois viola a
honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai 20.
E fundamenta sua decisão, no Inciso X da Constituição Federal e artigo 22
da Lei n.º 8.069/90 para condenar o acusado:
III – Face ao exposto, Julgo procedente a ação de indenização proposta por
D.J. A. contra D. V. A., forte no art. 330, II, e no art. 269, I, do CPC, c/c
com o art. 5º, X, da Constituição Federal e art. 22 da Lei nº 8.069/90 para
condenar o demandado ao pagamento de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil
reais), corrigidos e acrescidos de juros moratórios a partir da citação.
Condeno o demandado ao pagamento das custas processuais e honorários do
patrono da parte adversa que arbitro em 10% sobre o valor da condenação a
teor do art. 20, § 3º do Código de Processo Civil, ponderado o valor da causa
e ausência de contestação 21.
Outro exemplo de julgado da mesma natureza é encontrado na Apelação
Cível nº 408.550-5 de 01.04.2004 da Comarca de Belo Horizonte, Minas Gerais:22
APELAÇÃO CÍVEL Nº 408.550-5- 1.04.2004 EMENTA –
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL –
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA
AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno,
que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico,
deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa
humana.
20 http://www.ajuris.org.br/revista/Revista%20Sentenca%2012.pdf, acesso em 14/05/2007.
21 Idem, Ibidem.
22 http://www.ielf.com.br/webs/IELFNova/cursos/profs/tartuce/ielf_acordao_danomoral_paiefilho.pdf,
acesso em 14/05/2007.
12
Como argumento para a condenação do réu o Douto Julgador expõe que:
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui
fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar
compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar aos
seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a
eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como
a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos
próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e
garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o
que, por si só, é profundamente grave 23.
Será julgada pela primeira vez no Superior Tribunal de Justiça (STJ) se a
ausência de afeto dos pais para com os filhos pode ser motivo de indenização por dano
moral? O Recurso Especial foi admitido pela Quarta Turma do Tribunal, que vai
analisar r. decisão da Justiça Mineira retro citada. Porém, o recurso impetrado pelo pai
da criança ainda está em andamento até a presente data 24.
É de São Paulo outra decisão sobre o tema. Em junho de 2004, o juiz de
Direito Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível Central, condenou um pai a pagar à
filha indenização no valor de R$ 50 mil para reparação de dano moral e custeio do
tratamento psicológico dela, que foi constatado por meio de uma perícia técnica, que a
jovem apresentava conflitos, dentre os quais de identidade, deflagrados pela rejeição do
pai. Ela deixou de conviver com ele ainda com poucos meses de vida, quando o pai
separou-se da mãe. Ele constituiu nova família e teve três filhos.
O juiz Cirillo, em sua sentença, afirma que "a decisão da demanda depende
necessariamente do exame das circunstâncias do caso concreto, para que se verifique,
primeiro, se o réu teve efetivamente condições de estabelecer relacionamento afetivo
maior do que a relação que afinal se estabeleceu e, em segundo lugar, se as vicissitudes
23 http://www.ielf.com.br/webs/IELFNova/cursos/profs/tartuce/ielf_acordao_danomoral_paiefilho.pdf,
acesso em 24/06/2007.
24 ttp://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200401427225&pv=000000000000,
acesso em 11/11/2006.
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do relacionamento entre as partes efetivamente provocaram dano relevante à autora."25
O pai já apelou da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nas reiteradas decisões e, agora, se aguardando o julgamento do recurso
impetrado no STJ, o aspecto de extrema relevância é se garantir ao filho a convivência
familiar em sentido amplo, pelo afeto, conforme preceito constitucional e legal.
3.2. Jurisprudência sobre a matéria
A primeira decisão sobre a matéria vem do Rio Grande do Sul, e foi
proferida na Comarca de Capão de Canoas, pelo juiz Mario Romano Maggioni, que
condenou um pai, por abandono moral e afetivo de sua filha, hoje com nove anos, a
pagar uma indenização por danos morais, correspondente a duzentos salários mínimos,
em sentença datada de agosto de 2003, transitada em julgado e, atualmente, em fase de
execução. Ao fundamentar sua decisão o magistrado considerou que "aos pais incumbe
o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90).
De destacar que o Ministério Público, tendo intervindo no feito por haver
interesse de menor, manifestou-se contrário à concessão da indenização, conforme
parecer da promotora De Carli dos Santos, cujo entendimento foi o de que a questão não
poderia ser resolvida com base na reparação financeira tendo em vista que "não cabe ao
Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor". A ilustre
promotora alertou ainda para os risco do precedente:
senão, os foros e tribunais estariam abarrotados de processos se, ao término
de qualquer relacionamento amoroso ou mesmo se, diante de um amor
platônico, a pessoa que se sentisse abalada psicologicamente e moralmente
pelo desamor da outra, viesse a pleitear ação com o intuito de compensar-se,
monetariamente, porque o seu parceiro ou seu amor platônico não a
correspondesse (Ibidem).
Esta não é a única decisão tratando da matéria. Em recente julgado, o juiz
da 31a. Vara Cível de São Paulo - Dr. Luis Fernando Cirillo, condenou um pai, por
danos morais, a indenizar sua filha, no importe de 190 salários mínimos,
aproximadamente, reconhecendo que a "paternidade não gera apenas deveres de
assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe
um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia". Apesar de considerar não
25 http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=13495, acesso em 21/08/2007.
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ser razoável que um filho "pleiteie em Juízo indenização do dano moral porque não
teria recebido afeto de seu pai", o ilustre magistrado sentenciante, ponderou de outro
norte que:
não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano
decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o
verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar
que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser
humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um
benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens
(31a. Vara Cível Central de São Paulo – Processo n° 000.01.036747-0 – j.
07.06.2004).
Outra decisão que merece ser trazida à lume foi proferida pelo Tribunal de
Alçada de Minas Gerais, pelo voto do relator Unias Silva, que reformou sentença de
primeiro grau, acolhendo o pedido de uma rapaz contra seu pai, por abandono moral,
cuja condenação também foi fixada em duzentos salários mínimos, cuja fundamentação
principal foi a de que "ser pai não é só dar o dinheiro para as despesas, mas suprir as
necessidades dos filhos", considerando ainda que "a responsabilidade não se pauta tãosomente
no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento
humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana". O ilustre
magistrado, justificando o dever indenizatório afirmou ser "legítimo o direito de se
buscar indenização por força de uma conduta imprópria, especialmente quando ao
filho é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a
referência paterna, magoando seus mais sublimes valores" (TAMG – Ap.Civ. n°
0408550-5-B.Horizonte – 7a. Câm.Cív. – Rel. Juiz Unias Silva – j. 01.04.2004).
Vale mencionar que este caso de Minas Gerais chegou ao STJ em grau de
recurso especial (REsp 757411/MG, relator originário o Ministro Fernando Gonçalves,
DJ 27.3.2006). Na ocasião, o STJ, por maioria, assim decidiu:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO.
DANOS MORAIS.IMPOSSIBILIDADE.
1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito,
não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código
Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.
2. Recurso especial conhecido e provido.
No voto do Ministro Relator está registrado que no caso de abandono ou do
descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, a
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legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso
II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a
mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e,
principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a
sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a
justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.
A matéria é polêmica e alcançar-se uma solução não prescinde do
enfrentamento de um dos problemas mais instigantes da responsabilidade civil, qual
seja, determinar quais danos extrapatrimoniais, dentre aqueles que ocorrem
ordinariamente, são passíveis de reparação pecuniária. Isso porque a noção do que seja
dano se altera com a dinâmica social, sendo ampliado a cada dia o conjunto dos eventos
cuja repercussão é tirada daquilo que se considera inerente à existência humana e
transferida ao autor do fato. Assim situações anteriormente tidas como "fatos da vida",
hoje são tratadas como danos que merecem a atenção do Poder Judiciário, a exemplo do
dano à imagem e à intimidade da pessoa.
Entende-se que um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança
do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do
pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo
nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria
efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na
legislação civil, conforme acima esclarecido.
Desta forma, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar,
ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada
com a indenização pleiteada.
Diante do exposto, o Ministro Relator Fernando Gonçalves conheceu do
recurso e lhe deu provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de
abandono moral.
Esta é uma decisão muito importante sobre o tema, mas, certamente, outras
discussões surgirão no âmbito do STJ, já agora com outra composição, o que poderá
fazer com que o tema “abandono moral” ganhe novo fôlego.
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Há também uma decisão abordando questão similar, proferida pela 10a.
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual foi reconhecido o
direito à indenização por danos morais, no importe de oitenta salários mínimos, a um
rapaz em face de que seu padrasto lhe moveu uma ação negatória de paternidade para
desconstituição do registro de nascimento o que lhe teria gerado constrangimentos.
Para uma melhor compreensão do ocorrido, explicitemos: o padrasto
mantinha lar convivencial com a mãe da criança, relação esta que se iniciou quando a
mulher ainda estava grávida. Quando a criança nasceu o padrasto assumiu,
espontaneamente, a paternidade, registrando-a em seu nome, mesmo sabendo não ser o
pai biológico. Ocorre que, anos depois, ao romper a relação convivencial com a mãe do
agora rapaz, o padrasto ingressou com ação negativa de paternidade com o fim de
alterar o registro de nascimento. O "enteado", argumentando ter sofrido violento abalo
psicológico, por ter sido exposto a situação vexatória, além de ter se submetido à
realização de exame de DNA, em face da ação negatória de paternidade, ingressou com
ação pedindo indenização por danos morais, julgada improcedente em primeiro grau.
A sentença foi reformada pelo tribunal de justiça que, acolhendo voto da
relatora, juíza-Convocada ao TJ Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, condenou o padrasto
ao pagamento de uma indenização equivalente a oitenta salários mínimos. Em seu voto
a ilustre relatora reconheceu que a matéria guardava contornos de dramaticidade,
porquanto "não é difícil imaginar a tortura psicológica por que passou o apelante,
premido pelas sucessivas negativas de paternidade daquele a quem conheceu como
pai". Apesar de ressalvar que o padrasto tinha o direito de perquirir sobre a paternidade,
a magistrada considerou sua atitude "contrária aos princípios mais comezinhos da
ética" na exata medida em que o mesmo deveria ter melhor avaliado a questão pois, de
outro lado, o enteado tinha, constitucionalmente assegurado, o direito à dignidade e à
privacidade, que restaram violados, pela propositura da indigitada ação negatória de
paternidade. "Sem hesitar, digo desnecessária a situação pela qual passou o apelante.
No mínimo, o apelado deveria ter sopesado as conseqüências de seus atos", afirmou a
magistrada. Disse mais: "a atitude afoita, quiçá prenhe de contornos pessoais,
redundou em prejuízos desmedidos ao rapaz, que perdeu o nome, a filhação, o
referencial e, quem sabe, a segurança para interagir no seu convívio social" (TJRS –
Ap.Civ. n° 70007104326-B.Gonçalves – rel Juíza Conv. Ana Lucia Carvalho Pinto
Vieira – j. 17.06.2004).
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Esclareça-se por oportuno, que algumas das decisões referenciadas ainda
estão pendentes de recurso, o que forçará o Egrégio Superior Tribunal de Justiça a se
manifestar, em breve, sobre a questão, como já pontuei acima.
A guisa de registro, somente a decisão de Capão de Canoas/RS transitou em
julgado, tendo em vista que o réu sequer contestou a ação, estando em fase de execução
de sentença.
3.3. Teoria do fato consumado – Aplicação?
A teoria do fato consumado pressupõe uma situação ilegal consolidada no
tempo, em decorrência da concessão de liminar, ou de ato administrativo praticado por
autoridade competente para se reconhecer o direito sobre determinada situação que
ainda não ocorreu.
Hoje em dia é cada vez mais comum o operador do direito, sobretudo o
advogado público, deparar-se com decisões judiciais que, invocando a Teoria do Fato
Consumado, legitimam situações de fato tão-somente pelo decurso de tempo, mesmo
reconhecendo a inexistência do direito.
Vale destacar que não é admissível a concessão de tutelas de urgência se
houver perigo de irreversibilidade da medida, pois é de sua natureza a provisoriedade e
a revogabilidade.
Situação de fato gerada por força de decisão liminar, que se caracteriza pelas
notas da precariedade, provisoriedade, incerteza, indefinição, de situação submetida à
condição resolutiva e de sua absoluta reversibilidade, não pode jamais se consolidar
pelo decurso do tempo, notadamente quando seja conflitante com o ordenamento
jurídico, pois não se concebe a existência de direito adquirido a mantença de uma
situação de fato contrária ao direito.
Portanto, carece de fundamento jurídico, violando o postulado do devido
processo legal, exposto no art. 5°, LV, da CF/88, a aplicação da Teoria do Fato
Consumado em questões que envolvam interesses indisponíveis, mormente em sede de
Direito de Família, em virtude de provimentos judiciais de caráter meramente
provisório.
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Cabe registrar que o egrégio Supremo Tribunal Federal, por ambas as
turmas, não tem prestigiado a Teoria do Fato Consumado, assentando ser destituída de
fundamento jurídico.
3.4. Guarda Compartilhada (solução?)
O novo Código Civil, em perfeita consonância com a Constituição Federal
de 88, estabeleceu que a responsabilidade dos pais em relação aos filhos é conjunta,
atribuindo-lhe o nome de "poder familiar", disciplinando seu exercício, suspensão e
perda (arts. 1.630 a 1.638).
O Senado aprovou no dia 23 de outubro de 2007 o projeto de Lei, de autoria
do ex-deputado Tilden Santiago, incluindo no Código Civil a guarda compartilhada de
filho de pais separados. Esta lei dispõe que o juiz não mais decidirá, isoladamente, a
guarda dos filhos, embora a decisão final ainda deva ser pronunciada por ele, há a
exigência de uma avaliação multidisciplinar formada por assistentes sociais e
psicólogos, além de valorar a opinião da própria criança, para se chegar a uma solução
final, na qual a prioridade seja o bem estar do menor.
É certo que quando o casal se separa, os ódios e rancores afloram e o
cônjuge que fica com a guarda da criança, de forma consciente ou inconsciente, procura
dificultar ou mesmo impedir o acesso do outro cônjuge à criança. Constata-se ademais
que, além de dificultar o acesso ao filho, o cônjuge que permanece com a guarda
procurar incutir na mente da criança conceitos depreciativos em relação ao outro
cônjuge o que acaba por reforçar o distanciamento e o grau de dificuldade de acesso
que, muitas vezes, conta com a cumplicidade inocente da própria criança.
Há sólidas opiniões no sentido de que a guarda compartilhada poderia ser o
remédio para uma melhor convivência dos filhos com os seus genitores, principalmente
em face de separação do casal. Se a determinação judicial for no sentido de que ambos
os pais continuam com os deveres e obrigações decorrentes da guarda, acredita-se que
isso poderia contribuir para equilibrar a influência que os mesmos exercem sobre seus
filhos, evitando-se que somente um deles possa influenciar a criança, principalmente no
que diz respeito a despertar na mesma a rejeição pelo outro genitor.
Por essas razões, acredita-se que a guarda compartilhada seria a melhor
solução para evitar-se o distanciamento dos filhos em relação aos pais, vindo a
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preservar a criança, no que diz respeito à convivência com os pais, de tal sorte que não
ficasse privada da atenção, carinho e amor que tem direito de receber de ambos os pais.
Desta forma, conforme tão bem assinalou a psicanalista Eliana Riberti
Nazareth, "o afastamento dos pais tenderia a ocorrer em muito menor grau se a guarda
dos filhos fosse compartilhada e se, em lugar do direito de visita, fosse instituído o
direito à convivência" (Jornal do Advogado - OAB/SP n° 289, p.14).
4. Conclusão
Entende-se, que de forma alguma será suficiente a convivência entre pais e
filhos, que se esgota o sustento dos mesmos, mas sim em algo mais amplo, onde o afeto,
o carinho e o convívio freqüente assumem papel primordial no adequado
desenvolvimento da personalidade desta criança ou adolescente.
A legislação que garante a convivência familiar à criança e ao adolescente é,
até certo ponto, farta no ordenamento jurídico brasileiro, porém, é certo que o afeto, o
carinho, a atenção negada não podem ser algo a ser exigido dos pais e, que dinheiro
nenhum supre as conseqüências deste abandono.
Então, fica uma pergunta: quanto vale um abandono de um pai com relação
ao seu filho? Entendo que não tem preço. A pessoa que passa por esse trauma
provavelmente terá dificuldade de relacionamento afetivo com os filhos, com os
amigos, com os parentes. Os reflexos psicológicos danosos quanto a não ter uma figura
materna ou paterna a seguir, não ter um pai nas pequenas coisas do dia-a-dia, como por
exemplo, na formatura, nas festinhas da escola, nos aniversários, na primeira partida de
futebol e em tantas outras coisas.
Assim, sustenta-se, que o direito de visitas não pode ser concebido como
uma faculdade, mas como condição dignificante ao filho. O descumprimento do dever
de convivência familiar pelos pais entendido desta forma, importa em sérios prejuízos à
personalidade do filho, sendo legítima a busca da imediata efetivação de medidas
previstas nestes diplomas legais. “Não se trata de dar preço ao amor, tampouco de
estimular a indústria dos danos morais, mas sim de lembrar a esses pais que a
responsabilidade paterna não se esgota na contribuição material”26.
26 SILVA, Cláudia Maria, op. cit., p. 146.
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Entende-se que um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança
do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente pelo amor paterno. Uma ação de
indenização afastaria ainda mais o pai que já não tem amor pelo filho, sendo, na
verdade, um provável reforço para que aquele não queira mais vê-lo.
A maioria dos filhos ajuíza a referida ação, não pelo dinheiro, mas sim para
que o seu pai perceba a sua existência. Para confirmar essa afirmação há a história de
um jovem que disse que renunciaria a ação se o seu pai fosse à sua formatura, porque,
para ele, não importava o dinheiro e sim a presença do pai.
O STJ entende que a melhor forma de punir um pai, seria a perda do poder
familiar. Mas seria isso uma punição ou um favor?! Entendo que seria um favor, pois
esta decisão vai ao encontro do verdadeiro intuito do pai, se ele não tem convivência
com o filho, a perda do poder familiar vai desobrigá-lo completamente de ter qualquer
vínculo.
Mas seria saudável a relação entre pai e filho na qual aquele se obriga a
manter um relacionamento afetivo com este para evitar uma futura ação de indenização?
Acredito que, ainda que no início esta convivência não se apresentasse de modo
suficientemente salutar, com o tempo os laços de amor, amizade, respeito, consideração,
afeto, carinho poderiam começar a se instalar nesta relação.
A indenização pecuniária deve existir sim, não pelo dinheiro, porque
dinheiro algum irá suprir a carência do menor quanto a uma relação com o seu pai, mas,
sim, como uma forma de desestimular outros pais a cometerem esse tipo de dano aos
seus filhos.
O novo Código Civil dedica o capítulo segundo (arts. 11 a 21) à proteção aos
direitos da personalidade, disciplinando de forma mais clara e alargando os preceitos
constitucionais contidos nos incisos V e X do art. 5° acima mencionado.
Não bastasse isso, é preciso considerar também, conforme assinala Sílvio
Rodrigues, que "dentro da vida familiar o cuidado com a criação e educação da prole se
apresenta como a questão mais relevante, porque as crianças de hoje serão os homens de
amanhã, e nas gerações futuras é que se assenta a esperança do porvir"27. Por isso, o
Código Civil pune com a perda do poder familiar aquele que deixar o filho em
abandono (art. 1.638, II), entendido o abandono não apenas como o ato de deixar o filho
27 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil - Direito de Família. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002,
vol. 6, p. 368-371.
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